Dom José Gislon
Bispo de Caxias do Sul (RS)
Um dos mais bonitos relatos da Bíblia é a história do pequeno Samuel, filho de Ana. Ela era estéril e sofria todas as conseqüências da sua condição perante a sociedade, porém, tinha muita fé e confiança em Deus. Esta mulher sofrida, a Deus um dia fez um pedido: se tivesse um filho, o entregaria a Deus para que estivesse a seu serviço.
Agraciada por Deus, Ana levou o pequeno Samuel ao templo do Senhor, e a voz de Deus foi dirigida a Samuel, seguindo a lógica da pequenez e da insignificância assim tão peculiar de toda ação divina. Samuel é ainda tão pequeno que não é capaz de reconhecer sozinho a voz do Senhor. Mas, no coração da noite, o pequeno Samuel coloca-se à escuta do Senhor que o chama. Precisará da ajuda e da mediação do sacerdote Eli, para poder compreender aquilo que Deus quer dele. “Volta a deitar-te e, se alguém te chamar, responderás: Senhor, fala que teu servo escuta”. Eli indica o que fazer, mas não substituiu Samuel no fazer (1Samuel 3,3-10.19).
Numa sociedade que dá pouco espaço à escuta, é fundamental para a vida familiar ter tempo para escutar, isto é, os pais ouvirem os filhos e os filhos ouvirem os pais, e de uma escuta autêntica segue o discernimento, a obediência e o fortalecimento dos laços afetivos e familiares, tão importantes para a nossa vida, principalmente neste tempo marcado por tantas provações e incertezas.
Como pessoas de fé, devemos saber ir ao encontro e nos colocar à escuta do Mestre Jesus, tendo presente que a sua pessoa nos transforma: “tudo no homem pertence ao Senhor, e este se torna templo do Espírito, para a glória do Pai”, nos recorda São Paulo (1Cor 6, 13ss).
O caminho do encontro com o Senhor está ao alcance de todos nós, mas nós também precisamos muitas vezes de alguém que nos ajude neste itinerário, como fez Eli com Samuel e João Batista com seus discípulos. Este caminho parece feito pelo homem, mas, na realidade, a iniciativa pertence sempre a Deus. É Jesus, por exemplo, que se dirige aos dois discípulos, fazendo a pergunta, que os faz tomar consciência da vida nova que estavam para começar (Jo 1,41-17).
A alegria por ter encontrado o Senhor não deve ser escondida, mas partilhada, como fez André. Depois de ter encontrado o Messias, ele foi contar primeiro seu irmão Simão: “Encontramos o Messias”. Mas André foi além, não só deu a boa notícia e virou as costas e foi embora. Ele quer que seu irmão também encontre o Messias, isto é, a salvação. Por isso, conduziu Simão a Jesus. Neste sentido, ele ajudou Pedro a encontrar Jesus.
Deste momento em diante, para os dois discípulos, para Pedro e para todos os batizados em Cristo Jesus, começa a responsabilidade e o caminho pessoal que ninguém pode delegar para os outros e ninguém pode pretender fazer para os outros. Mas podemos sim, com o nosso testemunho de vida e através da ação missionária, ajudar as pessoas a encontrarem Jesus. As palavras que na Sagrada Escritura fazem referência a Samuel são praticamente um critério da condição do discipulado: “Samuel crescia, e o Senhor estava com ele. E não deixou cair por terra nenhuma de suas palavras” (1 Sm 3,19).