Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre
O tempo presente requer de todos disposição e determinação para aprofundar a compreensão do sentido da vida. Ela é dom e compromisso, que se traduz em relações de mútuo cuidado entre as pessoas, na família, na comunidade, na sociedade e no planeta, a Casa Comum.
Entre as muitas conquistas e realizações da técnica e da ciência, que proporcionam melhores condições de vida, constatam-se também situações escandalosas que necessitam de vigilância e cuidado.
Saltam aos olhos os índices de suicídio, automutilação, drogadição e depressão na sociedade. O que dizer da viabilidade do acesso à saúde e educação com qualidade; de tanta violência, da degradação dos espaços de decisão democrática?
A agressividade, a violência e a corrupção – expressões de falta de sensibilidade humana, educação e cultura – que se manifestam em gestos, palavras e ações, são sinais de que algo não está bem em nossa sociedade. Tal situação, porém, não pode nos roubar a convicção de que é possível cuidar da vida e promover a convivência em todos os âmbitos da existência.
A tradição judaico-cristã ensina que no caminho das origens de todo o universo havia harmonia (Gn 1,25); mais ainda: “tudo era muito bom” (Gn 1,31). Na origem de tudo havia reverência, senso de pertença e acolhimento. Somos, pois, convocados a reconstruir a harmonia das origens. Como? Através da reconciliação e da misericórdia.
Os tradicionais exercícios da quaresma são um caminho privilegiado para reencontrar o vigor das origens. O jejum abre nossa pessoa para a receptividade, para a liberdade da vida em Cristo. A esmola nasce da alegria de ter encontrado o tesouro escondido (Mt 13,44). O amor, a misericórdia e o cuidado buscam o outro! A oração é reconhecimento da experiência pessoal do cuidado amoroso de Deus em Jesus Cristo. Ela é silêncio e palavras de gratidão e súplica.
A quaresma é um tempo vivido especialmente pelos fiéis católicos, sabemos. Ela, incluindo o contexto de pandemia do coronavírus (COVID-19), quer ser um caminho para conduzir a todos ao encontro da Vida. Chamo “caminho” porque é um processo existencial, mudança de vida, transformação da pessoa que se deixa atingir pela pessoa de Jesus Cristo e que, assim, encontra um sentido para a própria existência.