Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
O ano litúrgico se encerra diante de uma cena que, aos olhos do mundo, não tem nada de solene. Há somente um madeiro erguido fora da cidade, um condenado entre dois criminosos, o riso amargo dos passantes e a indiferença dos observaadorres. Sobre a cabeça de Jesus, contudo, uma inscrição insiste: “Este é o Rei dos judeus”.
É assim que a Igreja contempla o Rei do Universo!
Em Lucas 23, o contraste é dolorosamente preciso. Em volta da cruz, estão todos os sinais de poder que conhecemos. A multidão que observa e julga, as autoridades religiosas que escarnecem, a máquina do império que executa sem hesitar.
Ali se acumulam todas as expectativas de “reino” que a história aprecia. Força que se impõe, prestígio que domina, eficiência que elimina o incômodo. Em meio a tudo isso, o Rei de Israel parece o oposto de um rei. Não comanda exércitos, não desce do patíbulo, não devolve insultos. A coroa é de espinhos, o trono de madeira, o manto é o próprio silêncio.
No entanto, é precisamente aí que o evangelho concentra o olhar. Um dos malfeitores provoca: “Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós”. Um pedido que resume toda a lógica do poder. Um rei, para o mundo, é alguém que se protege primeiro, que demonstra força pela fuga da humilhação, que prova sua realeza evitando a fraqueza.
Mas o outro condenado, a antítese do primeiro, aquele que a tradição chamará de “bom ladrão”, intui uma majestade diferente. Ele não vê milagres, nem luzes, não vê legiões de anjos. Vê um homem crucificado como ele, mas que suporta a dor com uma altivez que não se explica. Então arrisca uma frase de confissão e súplica: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino”. Ele não pede para descer da cruz. Pede para ser alcançado por uma lembrança que não esquece. Reconhece como rei justamente aquele que não se salva a si mesmo, mas se entrega por todos.
A resposta de Cristo sentencia como uma proclamação real: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Uma promessa pronunciada entre o sangue e a poeira, quase aos sussurros, mas com a autoridade de quem podia fazê-la. Um Rei medido pela profundidade com que alcança o coração e o arranca do desespero.
Celebrar Cristo Rei do Universo à luz desse evangelho é aceitar uma contradição fecunda. Nosso imaginário pede coroas de ouro, tronos de mármore, vitórias incontestáveis. O evangelho nos entrega um rei desfigurado, coroado de espinhos, vitorioso no fracasso.
O mundo espera um reino que elimina as catástrofes. Cristo inaugura um reinado que as atravessa. Guerras, abalos, injustiças, pandemias, quedas de impérios, tudo continua a acontecer, como sempre aconteceu. Mas, desde a cruz, essas forças perderam autoridade. O reinado de Cristo instala na noite escura do mundo uma luz que não pode ser apagada.
É aqui que a intuição poética de Henry Wadsworth Longfellow se faz teologia. Quando diz que a aurora não tarda, que a noite não é sem estrelas, que o amor é eterno, ele desvela aquilo que a Igreja contempla quando se ajoelha diante do crucificado. As trevas são reais, mas não são intransponíveis. O mal é terrível, mas não é irrestrito. O tempo humano é dramático, mas não é regido pelo acaso. Sobre tudo isso, discreto e soberano, permanece um Reinado que não envelhece.
Dizer que Cristo é Rei do Universo é afirmar que a história não caminha à deriva.
Quando Longfellow recorda que “Deus é sempre Deus, e sua fé não nos falhará; [pois] Cristo é eterno”, descreve com exatidão o fundamento desse reinado.
O Reino de Cristo não é uma instituição passageira, nem uma hegemonia cultural, mas é a fidelidade indestrutível do Filho que nunca se retrata.
Ao concluir o ano litúrgico diante do Cristo Rei, a Igreja olha para o alto da cruz e reconhece, naquele rosto desfigurado, o único rosto que não passa. Todas as coroas do mundo desbotam ou duram em vitrines de museu. Todos os tronos desmoronam, mas a realeza de Jesus permanece, porque está inscrita em vida ferida e ressuscitada. Por isso, a aurora não tarda, e a noite, por mais escura, nunca é sem estrelas.
O fim do ano católico com, a festa de Cristo Rei, é uma concentração de sentido. Tudo o que celebramos ao longo do ano – o Natal, a Páscoa, o Pentecostes – converge aqui para confessar que, por trás de cada mistério, reina o Senhor. E se Ele reina, o futuro não é ameaça.
Enquanto o mundo continuará a medir poderes por forças visíveis, a Igreja continuará a levantar os olhos para o crucificado e, paradoxalmente, chamá-lo de Rei.
Entre a expectativa do mundo e o Evangelho, a contradição permanecerá, mas é nessa contradição que se esconde o segredo. O amor que se deixa ferir sem deixar de amar é a forma mais alta de poder. E esse poder, porque é amor, não passa.
Cristo é eterno! E, enquanto Ele reina, nenhuma noite será absoluta, nenhuma cruz será definitiva e todo reinado neste mundo será apenas um intervalo diante da glória inquebrável do seu senhorio.
