Dom Edney Gouvea Mattoso
Bispo de Nova Friburgo (RJ)
Caros amigos, temos acompanhado a crescente e devastadora crise na Venezuela. Atento às necessidades dos que mais sofrem com a situação político-econômica do país, o Papa Francisco pediu que fosse rechaçado todo tipo de violência na vida política e do povo e que se encontrasse uma solução para a grave crise que afeta a todos, principalmente aos mais podres e desfavorecidos da sociedade (Angelus, 10 set. 17).
Infelizmente, a sede de poder faz com que se cale toda e qualquer ação que vise o bem comum e a dignidade humana. A sofrida realidade do povo venezuelano se agravou nos últimos dias devido ao fechamento das fronteiras com o Brasil e com a Colômbia, e com a desarticulação da ajuda humanitária e víveres para a população.
Esta ação extrema revela que os conflitos no território venezuelano não são fruto somente de ideologias contrárias de direita e esquerda, mas de uma busca desenfreada de se manter no poder. É lamentável perceber que nesta guerra de interesses quem sofre as mais terríveis consequências é o povo, sendo privado das condições mínimas de vida e dignidade.
A sedução do poder cega os olhos para ver a necessidade dos que nos cercam, impedindo que nossas ações sejam iluminadas pela caridade. No caso específico da Venezuela, os deveres do governo para com o povo foram esquecidos ao ponto de a população se tornar apenas uma “peça no tabuleiro” do jogo de interesses. Atitudes como esta opõe-se à vontade de Deus e ao bem do próximo e põe-nos diante da absolutização dos comportamentos humanos, com todas as consequências possíveis (cf. Sollicitudo rei socialis, 37.
É responsabilidade de todos, pela prática da caridade, prover as condições necessárias para que cada pessoa goze de dignidade. A busca pelo autêntico desenvolvimento humano e social engloba desde ações pessoais de auxílio aos mais necessitados até o exercício consciente da política com vistas ao bem comum.
Diante deste panorama, somos impelidos à reflexão sobre os nossos próprios atos que, se desviados da reta intenção, podem reproduzir, em menor grau, atrocidades como estas.
Não há dúvidas de que se faz urgente a prática da caridade, tanto no âmbito individual como no social e no político. Só ela é “capaz de iluminar com a graça do Evangelho as realidades humanas do trabalho, da economia, da política, construindo os caminhos da paz, da justiça e da amizade entre os povos” (Papa João Paulo II, 29 out. 2004).
É preciso olhar com apreço para o sofrimento do povo venezuelano e ultrapassar o mero auxílio em suas necessidades, reais e vitais. É urgente que a caridade se manifeste “no empenho com vistas a organizar e estruturar a sociedade de modo que o próximo não venha a encontrar-se na miséria, sobretudo quando esta se torna a situação em que se debate um incomensurável número de pessoas e mesmo povos inteiros (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 208).
Na certeza de que as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo somos impelidos a tomar consciência de nossa responsabilidade na construção de uma sociedade mais justa, um dever moral que implica obrigação de todos para com todos (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 192).
Unida a todos os esforços para aplacar o sofrimento do povo venezuelano, deve estar também nossa oração de intercessão pelos que sofrem e por aqueles que governam, para que, abertos ao diálogo, busquem o bem, a concórdia e a paz.