Cardeal Dom Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo
Por estes dias, a Igreja faz a novena litúrgica do Natal, preparando a celebração do Natal do Senhor. A novena é muito bonita e precisa ser mais valorizada na liturgia, com a participação do povo; cada dia é marcado por uma antífona, iniciando com a exclamação “oh”, que expressa a admiração diante daquilo que Deus fez e faz, como também o desejo de conhecer mais a obra de Deus e de ser por ela agraciados.
Essas antífonas aparecem na introdução ao Evangelho de cada dia e nos revelam um lado meio esquecido da nossa fé e religiosidade: o espanto sagrado, a maravilha diante da grandeza, profundidade, largueza e beleza do mistério de Deus, que nos envolve, bem como as atitudes espontâneas, que daí decorrem: louvor, adoração, contemplação sem palavras, desejo de entrar mais fundo no “Mistério Santo”, de se deixar tocar e envolver por ele.
Talvez, na tentativa de explicar e compreender, queremos enquadrar nos limites estreitos da nossa racionalidade a Realidade primeira, que não é contrária à razão, mas excede tudo o que, racionalmente, possamos dizer dela. Quando a preocupação, diante do fato religioso, é unilateralmente racional, acaba-se caindo na aridez e na atrofia religiosa, na angústia pessimista e asfixiante, ou no moralismo, que reduz a resultados práticos e verificáveis a reação diante do Mistério insondável; ou então, vem a tentação da magia, a vontade de dominar e de se apossar do Mistério, para colocá-lo debaixo do nosso controle e manipular seu uso em função de nossas decisões ou desejos. A magia, nas suas variadas expressões, é uma forma bastante primitiva de religiosidade que, no entanto, também está presente amplamente hoje, nas camadas intelectualizadas.
O Advento nos coloca diante do Mistério do Deus que vem e manifesta, de maneira surpreendente seu desígnio de amor e misericórdia para com a humanidade; quem poderia imaginar que Deus, em vez de enviar um anjo de fogo, para combater o mal e fulminar tudo o que se opõe a seus desígnios, enviaria ao mundo seu Filho, nascido pequena criança? Que o Filho de Deus quisesse experimentar em tudo a nossa frágil e precária condição humana? Que o desejo de salvação tão presente no coração humano e manifestado em todas as religiões e culturas dos povos tivesse uma tal resposta de Deus?! Que os sinais da salvação anunciados pelos profetas e experimentados nas contradições da história do Povo de Deus, tivessem uma realização tão surpreendente?!
Maravilhas, sim! O Senhor fez conosco maravilhas, santo é seu nome! Por isso, exclamamos, com a Liturgia: “Ó sabedoria do Altíssimo, que tudo determina com doçura e com vigor; oh, vem nos ensinar o caminho da prudência!” (dia 17.12); Oh, guia de Israel, que no Sinai orientastes a Moisés, oh, vinde redimir-nos com braço estendido!” (dia 18.12). ´”Oh, Emanuel, sois nosso rei e orientador, vinde salvar-nos, oh Senhor, nosso Deus!” (21.12). “Oh, rei e Senhor das nações e pedra angular da Igreja, vinde salvar o homem e a mulher, que um dia formastes do barro!” (dia 23.12). E a Liturgia está cheia de outras exclamações de maravilha e louvor, de dor, desejo e gratidão. Como deveria estar cheia a vida de quem crê profundamente em Deus.
O papa Bento XVI já repetiu em diversas ocasiões que a nossa experiência religiosa cristã não decorre de um grande ideal ético, por belo e elevado que seja, nem de conclusões racionalmente bem elaboradas, mas do encontro com uma pessoa real, um Tu que nos surpreende, arrebata, fascina, envolve. Esta pessoa é Deus, Mistério grande e insondável e, ao mesmo tempo, um Tu pessoal, que se volta para nós e nos conhece pelo nome; e é Jesus Cristo, “rosto humano de Deus e rosto divino do homem”, que tornou próximo e humano o Mistério Altíssimo; tão humano e tão próximo de nós, que só as crianças e os que se parecem com elas são capazes de acolhê-lo e de se maravilhar, os olhos arregalados e o coração transbordante de alegria: “hoje vimos coisas maravilhosas!”
Nossa fé cristã católica é, certamente, traduzida em doutrina e preceitos morais, que expressam de forma coerente e harmônica a compreensão que temos e as atitudes que convém diante do Sublime, que nos envolve. Mas também é rito, mística, poesia; é música, arte, encantamento; é adoração, oração, louvor e busca de captar e traduzir o belo e amoroso daquilo que cremos e esperamos. É dor e arrependimento, é conforto e esperança. É experiência pessoal do amor de Deus, é emoção e alegria. É cultura e rito social, que expandem esta experiência interior e pessoal para os modos de viver e conviver, em expressões simbólicas como as que são abundantes neste tempo de Advento e Natal.
Ó sublime Mistério! O res mirabilis! “Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças sempre e em todo lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso, por Cristo, Senhor nosso!” (Prefácio do Natal 2). Na noite do Natal, a Igreja reza, agradecida: “hoje o céu e a terra trocam seus dons”: a terra entrega ao céu o que tem de mais importante, nossa pobre humanidade, assumida pelo Filho de Deus; e o céu entrega à terra o que tem de mais precioso: o próprio Filho único do Pai eterno. “Dai-nos participar da divindade daquele que uniu a si a nossa humanidade!” (Oração sobre as oferendas). Cessem as palavras. Comece a contemplação!