Houve uma festa de casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava presente, nos diz João. Jesus já tinha ido embora de Nazaré para começar a sua pregação sobre o Reino de Deus. Os primeiros discípulos andavam com ele. Quando chegou de surpresa no dia da festa, também foi convidado, e todos que estavam com ele. Foi tanta gente que o vinho acabou.
A mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm mais vinho. Maria percebeu a preocupação dos donos da festa com a falta de vinho. São coisas que mulheres percebem melhor.
Mulher, por que dizes isso a mim? (O que é que eu tenho com isso?) Minha hora ainda não chegou.
Sua mãe disse aos que estavam servindo: Fazei o que ele vos disser!
Quem quiser ser devoto de Maria, precisa fazer o que ela nos pede: Fazer o que Deus quer de nós. Conhecer e seguir os seus mandamentos. Vale especialmente para jovens que têm a vida pela frente. O ponto de partida da vida cristã é colocar-se à disposição de Jesus para o que der e vier.
O mestre-sala disse ao noivo: Todo mundo serve primeiro o vinho melhor. Quando já estão alegres, serve o inferior. Mas tu guardaste o melhor até agora. João ficou tão impressionado pelo que viu e ouviu, que décadas depois ainda tinha tais pormenores na memória.
Foi o início dos sinais de Jesus. Manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele. Foi o primeiro milagre, realizado por intercessão de Maria.
Era necessário? Um milagre, só para a festa não acabar? Ninguém ia morrer de sede por falta de vinho. Para matar a sede, nada melhor que água. Para que transformar água em vinho? Para os festeiros beber mais? O sentido maior do milagre não é para aliviar uma dor ou resolver problemas terrenos, mas para dar um fundamento racional à fé. E seus discípulos creram nele.
Adversários mais radicais da bebida questionam mais. Para que tanto vinho? Será que ninguém bebeu demais? Para fugir de tais questões, alguns dizem que não era vinho, era suco de uva. Querem enquadrar o Evangelho nos seus próprios pontos de vista. Mas não há dúvida razoável: Era vinho mesmo. Então, se alguém exagerou na bebida, a culpa foi de Jesus?
O escritor Saramago gosta de provocar a Igreja para conseguir propaganda de graça. Diz que Deus é culpado pelos pecados, ao criar um mundo cheio de tentações. Para começar, Deus podia evitar o pecado já no Paraíso. Podia impedir que comessem do fruto proibido. Bastava fazer uma cerca bem segura em torno da árvore da tentação.
O argumento simplório de Saramago complica as coisas. Se Deus quisesse que os homens não pudessem pecar, não precisava fazer cercas. Bastava criar um mundo diferente, sem frutos proibidos, sem drogas, sem tentações. Apenas seres que não tivessem o dom da liberdade, esse dom tão precioso e tão perigoso. Apenas bichos que não pudessem fazer outra coisa que seguir seus instintos. Maquinas que só pudessem fazer as coisas para as quais tivessem sido programadas pelo criador.
Deus preferiu criar os seres humanos dotados de livre arbítrio, podendo escolher entre o bem e o mal. Deus nos criou em condições de colaborar com ele livremente na obra da criação, mesmo sabendo que muitos iam abusar da liberdade para destruir, em vez de participar com ele e com os companheiros de viagem na construção de um mundo melhor.
Questionamentos mais sérios surgem diante de desastres como foi o terremoto de Haiti. Como é que Deus não intervém para impedir tais calamidades, se é que pode?
No rigor da lógica, o número não conta. Com a morte de um só, ou com a morte de milhares, o problema é o mesmo: Por que é que Deus permite a morte de uma criança, a violência contra um inocente? Por que não fez um mundo sem fome, sem doenças e desastres? Por que é que Deus tolera o mal? O mal físico e o mal moral? O sofrimento por causas naturais e o sofrimento causado por pessoas?
O mal moral, o pecado, é fazer mal a alguém, é causar danos a outros ou a si mesmo. Por ação ou por omissão: Deixar de fazer o bem que podemos fazer, não fazer render os talentos que Deus nos confiou.
A vida nos foi dada dentro das limitações e dos condicionamentos da existência neste mundo. Somos feitos de corpo e alma, na fronteira entre as dimensões da matéria e do espírito, numa situação de conflito entre tendências carnais e aspirações espirituais.
Será que seria melhor se o homem não precisasse ganhar o seu pão com seu esforço, se não existissem doenças a serem evitadas e curadas com cuidado, se ninguém pudesse morrer com menos de quinhentos anos?
Seria melhor se o homem não precisasse fazer nenhum esforço para vencer a preguiça pela perseverança, a inveja e o ódio pelo amor, o egoísmo pela solidariedade?
Deus deveria segurar o braço de qualquer criminoso que quisesse matar alguém? Será que a organização da sociedade e a defesa dos direitos humanos pela própria humanidade, pelo caminho da educação e pela defesa dos direitos humanos pelos poderes públicos, não corresponde melhor à dignidade humana? A justiça divina fica para depois. Algo parecido com certas novelas, onde a justiça costuma ser feita no último capítulo.
Certo dia, eu disse aos padres que a obediência vale quanto pesa. Tive a impressão que não entenderam. Que valor teria a obediência, se nunca nos exigisse coisas difíceis? A fidelidade também, no casamento ou no celibato, vale quanto pesa. Que valor teria a fidelidade sem as tentações? Que valor teria o celibato, se não custasse nada, se nunca ficasse pesado?
São Paulo tem um pensamento na mesma linha: Completo na minha carne o que falta na paixão do Cristo. Jesus tem exigências pesadas para seus seguidores: Quem quiser ser meu discípulo, tome sua cruz e me siga. Ele não condenou a participação em festas e alegrias terrenas, nos limites dos mandamentos e dos direitos dos outros. Mas não recuou diante do peso da cruz. Fez um alerta aos discípulos: Se a mim perseguiram, também a vós vão perseguir.
A coisa mais importante naquela festa não era o vinho, mas o milagre, o sinal para oferecer um apoio à fé dos primeiros discípulos. Além disso, foi uma preparação para o mistério da Eucaristia, junto com o milagre posterior da multiplicação do pão.
Certas profecias de Isaias se referem claramente a Jesus. Foram escritas muitos séculos antes, e pela certeza desse fato histórico pertencem aos fundamentos racionais da fé. Outras são menos claras, ainda carentes de realização. Esta por exemplo, sobre a glória futura de Jerusalém: As nações verão a tua justiça, todos os reis verão a tua glória (Is 62,2). Depois do exílio na Babilônia, Jerusalém passou um tempo de glória, mas agora está numa situação que põe em perigo a paz precária do mundo inteiro.
Entre os países cristãos também ainda não estão reinando a paz e a justiça prometidas pelos profetas. Cabe aos cristãos colaborar na construção da paz no mundo e na Igreja, não pela violência de revoluções, mas cada um começando na sua própria vida.
