O escritor e poeta Khalil Gibran nos oferece esta bonita reflexão: O louco.

“No pátio de um manicômio encontrei um jovem com o rosto pálido, bonito e transtornado. Sentei-me junto a ele sobre a banqueta e lhe perguntei:- Por que você está aqui? – Olhou-me com olhar atônito e me disse: – É uma pergunta pouco oportuna a tua, mas vou respondê-la. Meu pai queria fazer de mim um retrato dele mesmo, e assim também meu tio. Minha mãe via em mim a imagem de seu ilustre genitor. Minha irmã me apontava o marido, marinheiro, como um modelo perfeito para ser seguido. Meu irmão pensava que eu devia ser idêntico a ele: um vitorioso atleta. E mesmo meus mestres, o doutor em filosofia, o maestro de música e o orador, eram bem convictos: cada um queria que eu fosse o reflexo de seu vulto no espelho. Por isso vim para cá. Acho o ambiente mais sadio. Aqui pelo menos posso ser eu mesmo”.

Neste tempo de Advento sempre encontramos a figura de João Batista, o precursor. A ele se aplicam as palavras do profeta Isaías “Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas”. À beira do rio Jordão ele pregava um batismo de penitencia e de conversão. O povo acorria. Muitos daqueles que ficaram acomodados nas suas casas devem ter pensado que João Batista estava com algum problema. De repente se achava o tal. Também não era o primeiro a anunciar sabe lá qual novidade. Enfim, devia ser mais um louco.

E os que acreditaram nele? Outros tantos loucos. – Se fossemos dar ouvidos a todo e qualquer pregador, pobres de nós!– Devem ter bisbilhotado os inteligentes. Mais uma vez a razão, o equilíbrio e o bom senso dos acomodados quiseram abafar a boa notícia. A razão justa  de primeiro ver o que vai acontecer antes de tomar uma posição. O equilíbrio correto de quem nunca se expõe ao risco de errar. O bom senso de quem só sabe distribuir conselhos para os outros. Fácil, tudo muito fácil. Excesso de prudência que é pura covardia. Medo disfarçado de sabedoria.

No entanto os “loucos” acorreram à beira do rio. Jesus, inclusive, foi um deles. Lógico, um louco só pode juntar outros desequilibrados, fanáticos e encrenqueiros.

Por isso vale a pena nos perguntar quem se reconheceu doente naquele tempo, e quem ainda hoje reconhece as suas enfermidades? Quem foram aqueles dos quais Jesus dizia que precisavam muito do médico? Foram os que acreditaram no Batista e, mais tarde, os que deixaram tudo para seguir Jesus, ou foram os bem-pensantes de sempre, inamovíveis, seguros de não precisar nunca de conversão? Quem ficou curado afinal?

Hoje a voz de João Batista continua a nos alertar. Devemos preparar os caminhos do Senhor. Devemos aprender a acolhê-lo de novo. Mas para isso precisamos de um pouco ou de muita loucura. Teremos que escolher se acompanhar os que querem nos confundir com um Natal de Papai Noel, de presentes e de festinhas, ou olhar para a nossa vida, reconhecer as nossas fraquezas e necessidades e gritar por socorro. Podemos nos preparar para viver o Natal dos filmes, cheios de doces, bolinhas coloridas e cambalhotas na neve, ou ser muito mais loucos e olhar além de tudo isso. Podemos superar as aparências para mergulhar no profundo da nossa vida e da história da humanidade. Assim não ficaremos mais somente no hoje, mas lembraremos o passado e nos questionaremos sobre o futuro.

Conversão é buscar sermos nós mesmos. Não deixar mais que sejam os outros a nos dizer o que devemos fazer, somente porque é Natal e se não comprarmos nada seremos infelizes para o resto da vida. Conversão é sermos nós mesmos a decidir em quem queremos confiar, qual Natal queremos comemorar: de Jesus, o Salvador, ou dos pisca-piscas importados. Sempre se fala da correria “louca” de final de ano. Talvez precisamos encontrar um bom “manicômio”, um lugar mais sadio, onde ficar mais sossegados, para sermos nós mesmos no final. E se esse lugar fosse a nossa igreja?

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