O nascimento de Jesus, tal como vem descrito nos evangelhos, está cercado de mistério e de fatos que revelam seu significado profundo. A gruta, os pastores e o canto dos anjos misturam a pobreza desta terra com a beleza do céu. Os pastores não sabem se foi a terra que subiu ou se foi o céu que desceu. Foram envolvidos por uma alegria infinita quando as cores da luz se casaram com a beleza de uma canção jamais ouvida. Sem dúvida, os pobres, mais que todos, vivem a experiência de que não são os senhores absolutos da vida e do mundo.
Estão permanentemente desejosos da chegada e da manifestação do Senhor da vida. São Lucas, em seu evangelho, narra o encontro dos pastores com Jesus que acabara de chegar e conclui: “os pastores retiraram-se, louvando a agradecendo a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, de acordo com o que lhes tinha sido dito”(Lc 2,20). Há uma pobreza radical, ontológica, que é constitutiva do ser humano. Felizes os que experimentam esta pobreza! Estão na verdade. Também os ricos e os sábios, se não mentirem para si mesmos, poderão experimentá-la. Nem toda a riqueza desse mundo, nem a totalidade do conhecimento científico acumulado através das gerações respondem ao anseio que brota desta pobreza. Onde encontrar a verdade, fundamento e sentido definitivo da própria existência? A verdade, pela qual aspira o espírito humano, é maior que o mundo e que a própria razão. É a própria razão humana que o diz para si mesma ao navegar pelo interior de todos os entes e pressentir neles a presença de um mistério maior, fundamento transcendente de todo o existente. O episódio dos magos, que vieram de longe para adorar o menino, nos mostra que todos os seres humanos trazem dentro de si essa inquietação que lhes brota das profundezas do próprio ser. O risco para o ser humano é abafar, pela busca insaciável da riqueza ou do poder, o grito desta inquietação. Os magos vieram de longe porque viram um misterioso e luminoso sinal, que haveria de conduzi-los à verdade maior que eles pressentiam oculta para além das inumeráveis estrelas que enfeitavam o céu. Buscavam uma verdade maior jamais encontrada. Cada descoberta da ciência, cada boa e verdadeira novidade no conhecimento do universo – macro ou micro -, é um sinal da presença da verdade maior, sempre velada, que é Deus. A ciência não pode, entretanto, desvelá-lo para dele se apossar. É necessário deixar-se conduzir por uma estrela, que não é fagulha desse universo, para encontrar a verdade maior que se insinua por entre as verdades que fazem a grande constelação do existir humano. É quando o ser humano deixa a condição de poderoso explorador do mundo para se colocar na humilde condição de peregrino, guiado por outras mãos. A ciência, na medida em que avança na tentativa de desvendar o mistério do universo, se descobre envolvida em mistério ainda maior.
Ela jamais atingirá a origem radical e o destino definitivo da evolução cósmica, pois sua origem e seu destino estão para além de suas próprias fronteiras. A ação que está na origem do universo não é empiricamente verificável, nem a ação que lhe dá o sentidoúltimo. A estrela dos magos não era mais a razão investigativa, era a mão de Deus a lhes apontar o caminho da Verdade definitiva. Esta, a verdade maior, fundamento e sentido de todas as verdades, saiu do seu ocultamento e se fez criança, pobre e humilde. No mistério daquela criança, tal como o fizeram os pastores, eles adoraram Deus. Os magos vieram de longe. A piedade popular deu-lhes o título de reis, reis magos. Eram ricos, trouxeram presentes valiosos. Representavam todas as nações. Eram humildes, reconheciam sua carência. Agarraram-se à estrela que lhes aparecera repentinamente. Adoraram um menino, pobre e frágil. E nisto se despojaram de qualquer pretensão de grandeza. Da verdade maior ninguém pode se apoderar. Ela se revela e deve ser acolhida na adoração, na entrega e na gratidão. Ela se oculta para os olhos dos que pensam tudo poder dominar. O ser humano, encastelado na ilusão do poder, não tem olhos para vê-la. Qualquer lampejo de verdade para além de seu trono é para ele uma ameaça a ser destruída.
Há na narrativa dos acontecimentos que compuseram o quadro da vinda de Jesus, um episódio, recheado de humana maldade, cujo desfecho é assim narrado por Mateus: “quando Herodes percebeu que os magos o tinham enganado, ficou furioso. Mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o território vizinho, de dois anos para baixo, de acordo com o tempo indicado pelos magos”(Mt 2,17). Herodes é o oposto dos magos, vindos de longe. Está tão perto e, ao mesmo tempo, tão distante. Quando os magos chegaram perguntando onde devia nascer o Rei dos Judeus, Herodes ficou alarmado (cf. Mt 2,3).A fantasia do poderoso é habitada tanto pelo sonho de mais poder como pelo receio de cair no anonimato pela sua perda. O poderoso não tem amigos, tem vassalos. Estes são adoradores do poder, felizes na subserviência, contentam-se com o aquecer-se à sombra do potentado. Os que não são vassalos são inimigos atuais ou em potencial. O poderoso vive arquitetando como garantir-se no poder e como controlar os que navegam pelas águas de seu reino.
O poderoso bem sucedido desenvolveu um esquema de relação onde seu modo, sua expressão facial, o tom de sua voz, o dedo em riste, a argumentação irretorquível, inibem a capacidade de reagir de seus súditos, condenando-os antecipadamente se outra posição ousarem. Em geral sempre tem razão e raramente reconhece ter falhado. Jamais volta atrás, seria confessar fraqueza, coisa que o poderoso não se permite ter. Herodes, o filho deste que assassinou os inocentes, mandou degolar João Batista para não voltar atrás perante seus admiradores. Mas o poderoso costuma ser generoso, razão por que é necessário ter muito dinheiro. Herodes, o filho, gostava de dar festas em seu palácio para seus “amigos” e lhes dava, imagino, também proteção. Estes se sentiam importantes junto dele e protegidos. Os magos vieram de longe. A piedade popular deu-lhes o título de reis, reis magos. Eram ricos, trouxeram presentes valiosos. Representavam todas as nações. Eram humildes, reconheciam sua carência. Agarraram-se à estrela que lhes aparecera repentinamente. Adoraram um menino, pobre e frágil. E nisto se despojaram de qualquer pretensão de grandeza. Eu devo escolher entre ser um dos magos ou Herodes.