A Associação Brasileira das Instituições Católicas de Saúde (Abics) realizou na manhã desta quinta-feira, 24 de junho, uma videoconferência, transmitida pelo Youtube, para partilha de experiências das unidades e entidades católicas que atuam na área da saúde vivenciadas e realizadas no período de pandemia do novo coronavírus. Com a participação do bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ) e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado, o evento foi ocasião de fortalecer a relação entre as organizações.
No início do evento, ao falar da importância das instituições católicas de saúde no período de pandemia do novo coronavírus, dom Joel Portella Amado destacou dois aspectos: o cuidado com os enfermos e articulação das entidades que trabalham no campo da saúde por meio da Abics.
Pandemia
Dom Joel retomou o contexto da pandemia no Brasil, “que nos preocupa, nos entristece e nos envergonha em algumas situações”. Diante dessa realidade, “as mortes, o sofrimento físico e as situações de abandono, em especial dos mais pobres, os mais vulneráveis, interpelam qualquer coração que se queira efetivamente humano, qualquer consciência com o mínimo de retidão”.
As consciências buscam, assim, contribuir de alguma forma: “Aqui emerge o papel da Igreja, das instituições católicas de saúde. O fato de serem instituições católicas, de se apresentarem como tal, é o distintivo da presença na sociedade”. O ponto de partida, nesse sentido, de acordo com o bispo, é aquela identificação que o Evangelho faz entre Jesus e o enfermo, presente no capítulo 25 de Mateus. Daí há uma prática de solidariedade em relação aos enfermos na história da Igreja, que se reinventa diante dos desafios e é marcada pela ação do Espírito Santo.
“Ter fé é deixar-se conduzir pela fé e apresentar a identidade a partir da fé significa também deixar-se conduzir pelo Espírito e responder aos novos desafios como tem sido essa pandemia que aí está e que, infelizmente, deve permanecer entre nós por algum tempo”, disse dom Joel.
A identidade das instituições
“Num mundo e num Brasil repletos de problemas, a pandemia trouxe para os primeiros lugares das nossas preocupações algumas questões, dentre as quais, sem dúvida, a questão de como responder, diante da urgência, como ser presença cristã num contexto de tamanha vulnerabilidade humanitária”, refletiu dom Joel. São questões e problemáticas não apenas no campo especificamente médico, segundo o secretário-geral da CNBB, mas relacionadas à identidade.
“À medida em que acelerou processos e exacerbou situações de vulnerabilidade, a pandemia trouxe também questionamento para as identidades no mundo atual, no modo como as pessoas e as instituições atuam em momentos como esse, as identidade se manifestam com maior clareza, mostrando o que deve ser mantido e o que deve ter o rumo corrigido”, contextualizou ressaltando a motivação para o encontro desta manhã.
Articulação em rede
O resgate da identidade católica, no cuidado com os enfermos, reforça a necessidade de união e articulação das entidades católicas que trabalham no campo da saúde: o segundo aspecto destacado por dom Joel Amado. “O desafio sempre é passar das palavras para as ações, construindo redes, para que a presença eclesial seja ainda mais efetiva”, salientou recordando também a orientação da CNBB que união e articulação estejam presentes em todos os campos da ação da Igreja no Brasil.
Essa proposta, segundo dom Joel, não deixa de lado as peculiaridades dos carismas, mas exige que as instituições se unam em vista do melhor serviço. Um desafio muito grave à vivencia da fé em meio a tantas formas de existir, segundo dom Joel, é não se deixar levar pelos mesmos valores que regem o mercado. “A nossa presença não poderá ser regida pelos mesmos critérios de uma instituição ou grupo que não explicite o dado da fé”, exortou. “O novo normal será redirecionado à medida que formos capazes de construir redes e articulação”, garantiu, citando a encíclica Fratelli Tutti.
Dom Joel também quis destacar que as articulações são importantes para a construção e consolidação da democracia, atingida no mundo inteiro. A força democrática se consolida não apenas quando a representatividade acontece, por meio do voto, o qual não abrange a totalidade da democracia, que exige também a participação da sociedade civil organizada.
“Associações como a Abics podem contribuir muito para o fortalecimento da presença católica no mundo da saúde em nosso país E, através da presença católica, contribuir para o equilíbrio da inércia do poder público e da voracidade do mercado. E, ao contribuir para esse equilíbrio, trabalhar ainda mais por um povo menos vulnerabilizado”.
Experiências
Após a fala de dom Joel, representantes de instituições associadas à Abics partilharam experiências no tempo de pandemia.
Assistência religiosa
Padre José Wilson, religioso camiliano da arquidiocese de São Paulo (SP), falou sobre a assistência espiritual aos pacientes infectados pelo novo coronavírus no Hospital São Camilo, no bairro Pompeia, na capital paulista. Os capelães da unidade de saúde tiveram de se ausentar no início da pandemia, por conta das cormobidades, e ele teve que assumir a tarefa além das funções administrativas.
O capelão foi integrado à equipe multiprofissional e o serviço religioso foi um auxílio no tratamento terapêutico dos pacientes. A nova rotina exigiu adaptações e novas rotinas.
“Percebi da parte dos pacientes, além do sentimento de medo, ansiedade, proximidade da morte, uma valorização dos sacramentos, revalorização da família e da comunidade de fé. Da parte dos familiares, fizemos esse acompanhamento, percebi angústia, medo, incerteza, mas estávamos ali com eles. Dos profissionais da saúde, também a incerteza, no inicio, os adoecimentos, afastamentos, mas os percebi mais unidos, dialogavam mais, tinham momentos de oração, alegria quando os pacientes recebiam alta, momentos de tristeza quando paciente ia para intubação, cuidados paliativos”, partilhou padre José Wilson.
Captação de recursos
A irmã Rosane Ghedin, do Hospital Santa Marcelina, também em São Paulo, partilhou a experiência do projeto COMVIDA20. Diante da percepção da realidade da pandemia, com o temor sobre a escassez de materiais e equipamentos, a religiosa chamou a equipe para buscar caminhos para buscar recursos. O projeto pretendia a ampliação e manutenção de leitos e a aquisição de equipamentos hospitalares. Com o objetivo de arrecadar 50 milhões de reais, foi possível chegar a 26 milhões, além de agregação de voluntários e doações de materiais e engajamento de personalidades da música, da televisão e do entretenimento em apoio à causa. Mais de cinco mil vidas foram salvas, de acordo com a irmã.
“Nós temos muitos fundos nacionais e internacionais que nós, como instituições filantrópicas, do terceiro setor, podemos participar. Além de ter sido motivador, foi também uma luz para que pudéssemos desenvolver e profissionalizar”, ressaltou irmã Rosane.
Cuidadora e educadora da vida
A religiosa Scalabriniana irmã Lúcia Boniatti, presidente do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre (RS), ressaltou que não se pode deixar os espaços de instituições católicas na saúde e na educação, pela identidade que a Igreja tem de “cuidadora e educadora da vida”. Ela partilhou que os profissionais da instituição “abraçaram o processo da pandemia como um processo humanizador”.
O diretor do hospital, doutor Rafael Cremonese, falou das questões técnicas estabelecidas na unidade para o enfrentamento da pandemia. Entre as ações, o hospital montou um comitê, um grupo multidisciplinar, fez reuniões periódicas, reservou espaço de divulgação dos dados epidemiológicos, divulgou frequentemente diretrizes institucionais e norteou-se por pilares traduzidos em mensagens-chave.
Maiores que a tempestade
Ao final do encontro, o presidente da Abics, frei Francisco Belotti, da Associação São Francisco de Assis na Providência de Deus, partilhou como a fraternidade, responsável pelo Barco Hospital Papa Francisco e outras 73 serviços de saúde Brasil afora, decidiu atuar durante a pandemia. “Abraçamos alguns verbos: enfrentar, acolher, cuidar e se colocar no lugar daquele que se encontra contaminado por essa maldição que é esse vírus”.
Recordando o Evangelho do último domingo, frei Belotti desejou que as entidades façam como Jesus: “A nossa fé tem que ser maior que a tempestade”.