O bispo do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Erwin Kräutler, participou do lançamento do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2014, na tarde desta sexta-feira, 19, na sede da Conferência Nacional dos Bispo do Brasil (CNBB), em Brasília (DF). A edição revela o aumento de 42% no número de indígenas assassinados em 2014. “É lamentável que desde 1993 estamos editando o relatório sobre a violência e, em vez de diminuir, parece-me que está aumentando de ano para ano”, disse dom Erwin.
As informações apresentadas pela publicação consideram a sistematização de dados baseados em denúncias e relatos dos povos, lideranças e organizações indígenas, além de informações das equipes missionárias do Cimi que atuam nas áreas e de notícias veiculadas pelos meios de comunicação. Também fazem parte do documento informações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde.
De acordo com o relatório, 138 indígenas foram assassinados em 2014. Em 2013 foram 97 casos registrados, 42% a menos. O estado do Mato Grosso do Sul foi mais uma vez o mais violento contra os indígenas brasileiros, com 41 ocorrências, 29% do total.
Para dom Erwin, o não cumprimento da Constituição Federal de 1988, que prevê a demarcação de todas as áreas indígenas, “é a primeira responsável pela violência”. “Os conflitos são sempre constituídos a partir de uma invasão ou da ausência de respeito daquilo que é dos povos indígenas”, explica.
O bispo destacou a fotografia da capa do caderno, que mostra cruzes fincadas no chão. “Essas cruzes têm dois significados. Foram feitas por pessoas contrárias aos índios, enquanto os índios avançavam, se dizia a eles, ‘não avancem, vocês morrem!’. Mas também lembra os povos indígenas e os indígenas, no ano passado e no ano retrasado, que morreram em consequência dessa violência em todos os quadrantes do país”.
Mortalidade Infantil
Os dados do relatório apresentado hoje pelo Cimi mostram um número de 785 mortes de crianças entre 0 e 5 anos, no ano de 2014, quase uma centena a mais que no ano anterior. A publicação aponta o povo Xavante, de Mato Grosso, como os que perderam crianças em 2014. Foram 116 falecimentos. Em Altamira (PA), onde acontecem as obras da Usina de Belo Monte, a taxa de mortalidade na infância chegou a 141,84 mortes por mil crianças. A média nacional é de 17 a cada mil crianças nascidas.
Violência
O caderno preparado pelo Cimi é divido em cinco capítulos que tratam das várias formas de violência contra os povos indígenas: violência contra o patrimônio, contra a pessoa, por omissão do poder público e contra povos indígenas isolados e de pouco contato. Essa relação é especificada em 19 categorias de tipos de agressões e violações como conflitos relativos a direitos territoriais, invasões possessórias e exploração ilegal de recursos naturais, ameaça de morte e desassistência na área de saúde, dentre outros.
Vários artigos também compõem a publicação, com o objetivo de contextualizar e aprofundar a análise sobre os dados reunidos. O Cimi propõe temas como a responsabilidade dos Três Poderes sobre a violência praticada contra os povos indígenas; o modo como o atual modelo de desenvolvimento viola essas populações; a baixa execução orçamentária dos recursos públicos destinados às políticas públicas indigenistas; a inconstitucionalidade da criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (Insi); as motivações políticas e econômicas relacionadas ao racismo contra os povos originários; e o aumento das ameaças que impactam os cerca de cem povos indígenas em isolamento voluntário no Brasil.
Um dos cinco capítulos do relatório é intitulado Memória e Justiça. Ele possui reflexões sobre a violência sofrida pelos povos durante o período da ditadura militar e as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em seu capítulo específico sobre os povos indígenas.
Laudato Si
Sobre a Encíclica do papa Francisco, “Laudato si – sobre o cuidado da casa comum”, divulgada pelo Vaticano na última quinta-feira, 18, dom Erwin (à esquerda) recordou seu encontro com o pontífice em abril de 2014, durante a preparação do documento. Ele pediu a Francisco para que “não se esquecesse da Amazônia e dos povos indígenas”.
Seu Tito
O evento teve, ainda, a presença do líder indígena Tito Vilhalva (à direita), do povo Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Com 95 anos, “seu” Tito, como é chamado, falou das violações sofridas pelo seu povo desde a década de 1930.