Passar de uma Igreja autorreferencial para uma Igreja servidora do Reino de Deus 

Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André (SP)

 

 

**Artigo publicado por ocasião da participação de dom Pedro na Congregação Geral da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que teve início no dia 4 de outubro, em Roma.

 

Em uma época na qual declinou o projeto de “cristandade” é preciso voltar ao essencial e rever o exercício da missão. Ás vezes há muita Igreja e pouco Reino! O objetivo é o Reino, o demais são meios para se implantar o Reino. O Reino de Deus é a meta. Por muito tempo se identificou a Igreja com o Reino de Deus e assim ela se tornou absoluta, cedendo ao triunfalismo confundindo-se com o Reino.  São Paulo VI escreveu: “Só o Reino, por conseguinte é absoluto, e faz com que se torne relativo tudo o mais que não se identifica com ele” (S. Paulo VI in Evangelii Nuntiandi  8).  

A referência deve ser o Reino e não a Igreja em primeiro lugar. Ela é testemunha, anunciadora e portanto: sua servidora. Nela o Reino já está presente em germem. E povo de Deus aqui não é noção sociológica, mas teológica: Não só o povo pertence a Deus, mas Deus quis ter um povo: “Eles serão o seu povo e Ele será o Deus que está com eles” (Ap 21,3).  

O Novo Testamento inteiro está explícita, ou implicitamente construído sobre o tema do povo de Deus. É esta noção de Igreja Servidora do Reino como Povo de Deus Peregrino, povo Messiânico, que sustenta a sinodalidade.  

Vivenciar a eclesiologia do povo de Deus exige a humildade de passar de uma cristologia do Pantocrator para uma cristologia do Servo Sofredor de Jave. “Muito tempo antes de Paulo, foi no capítulo do Servo Sofredor (Is 53) que a comunidade das origens foi buscar a chave para penetrar o mistério profundo do Filho de Deus padecendo a morte ignominiosa de cruz” (J. Jeremias, O Povo de Deus, Paulus, S. Paulo, 2002, 29).  

De fato, entre as estruturas do mal, irrompe o Reino de Deus, sua metodologia não pode ser a do reino deste mundo. Jesus propõe a metodologia da bondade e do amor, da kénose, vencer o mal fazendo o bem. Assim, quem constrói o Reino e a comunidade é o Servo Sofredor, Jesus: “Pus nele meu espírito, ele levará o direito aos povos” (Is 42,1-2).    

Contra o Deus do messianismo popular dos zelotas Jesus opõe o Servo Sofredor. Contra o Deus dos Escribas e fariseus do templo, o Deus da misericórdia. É este caminho que a Igreja deve percorrer como o percorreu seu Senhor e Mestre (cf. LG 8). 

O descentramento da Igreja, fará com que a Igreja seja capaz de pensar na humanidade toda, mais que em si mesma e no seu poder. Fará também que ela não ceda à tentação de tomar o lugar de Cristo, seu Senhor, mas assim como ele fez seja servidora da humanidade. Uma Igreja misericordiosa e em saída. 

Só o Espírito Santo faz com que a Igreja compreenda o que humanamente é incompreensível: a sabedoria da cruz. Cruz que é a bandeira da Igreja.  

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