Paulo Apóstolo, na perícope Gálatas, capítulo 3: “(26) De fato, vocês todos são filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus, (27) pois todos vocês, que foram batizados em Cristo, se revestiram de Cristo. (28) Não há mais diferença entre judeu e grego [28a], entre escravo e homem livre [28b], entre homem e mulher [28c], pois todos vocês são um só em Jesus Cristo [28d]”, abriu fronteiras em torno da unidade em Cristo.
Paulo era judeu, cidadão romano e escrevia às Igrejas da Galácia, situadas numa região geográfica particular, dominadas político-economicamente pelo império romano. Para dizer que existia igualdade e liberdade entre as pessoas, culturas e linhas religiosas, ele escreveu que “não há mais diferença entre judeu e grego [28a]”. Sobre desigualdade ele vivenciou e testemunhou e, quanto à igualdade, expressou a possibilidade de ser obtida. Sempre agia comunitariamente. A reciprocidade estava presente e podia ser denominada de simétrica. A assimétrica compreendia uma minoria, mas detinha o poder e controlava os principais meios de produção. Nessa perícope são enfatizadas três assimetrias: religioso-racial [28a], social [28b] e de gênero [28c].
Paulo, testemunhando o Evangelho corajosamente, anunciou o fim da separação ou discriminação [28a]. O “grego” referia-se ao pagão ou, em outras palavras, ao estrangeiro. A proposta paulina foi revolucionária por pedir para as comunidades lutarem pelo fim das assimetrias. Afirmava que o Evangelho era (é) o próprio Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou para libertar e salvar cada pessoa através da fé, apesar de alguns convertidos pregarem a lei judaica (Gl 1,6-9). A busca da liberdade e igualdade são chaves para se compreender esse missionário.
Paulo afirmou que, a partir de Cristo, “não há mais diferença entre… escravo e homem livre [28b]”. Isso em meio à exploração e à subserviência dos trabalhadores, forma típica das sociedades grega e romana. A história romana pode ser dividida em desenvolvimento das condições para o surgimento do escravagismo (Realeza), apogeu da escravatura (República) e declínio do escravagismo (Império). A composição da República na cidade era, em maior parte, de famílias mais ricas e poderosas. Seu poder era exercido pelo Senado. A sociedade era estruturada em dominadores e dominados. Os dominantes, proprietários dos meios de produção, queriam manter a assimétrica (poder). Os dominados, expropriados dos meios de produção, almejavam a liberdade.
Paulo pedia para os espoliados acreditarem e lutarem pela vida comunitária e para serem perseverantes na fé. Com a unidade em Cristo há a eliminação do sistema social da escravidão [28d]. Foi imbuído desse propósito que Paulo, ao transcrever a fórmula litúrgica aos Gálatas, quis que os cidadãos gozassem dos direitos políticos e civis. Ele entendia a comunidade como “homem-em-Cristo”, conforme expressa em 1Cor 7,22-23.
Quando Paulo disse que todos são filhos de Deus, indicou o fim de pares opostos, como indicado em [28a] e [28b]. O mesmo ocorre em [28c], não há diferença entre homem e mulher. Entretanto, havia discordância por parte de missionários judeu-cristãos quanto à Lei em vigor.
No universo greco-romano os homens determinavam todos os aspectos de vida na sociedade. No universo helenístico algumas idéias filosóficas davam certa autonomia para as mulheres da aristocracia, cortesãs e as prostitutas. Havia subordinação feminina aos homens.
O surgimento da igualdade entre gêneros pode ter sido em comunidades antes das ações evangelizadoras de Paulo. Nesses lugares as mulheres tinham liderança. Normalmente elas não tinham liberdade na sociedade helenístico-judaica-cristã. Paulo volta a defender essa igualdade em 1Cor 12,13, Rm 10,12 e Cl 3,11.
Paulo estudou Gn 1 e Gn 2 e amadureceu seu posicionamento sobre “macho-fêmea”: entendeu que em Cristo vem à existência uma nova criação. Sintetizou essa igualdade em Gl 4,19 e em 1Cor 3,2. Com a evangelização, várias mulheres aderiram a essa ação, conforme Rm 16,1-7.12-13.15 e Fl 4,2-3. Ele também esclareceu que sua missão, seu objetivo e sua fé em Deus e respeito ao ser humano, independem do gênero ou de qualquer situação que exclua ou que discrimine pessoas crentes em Deus.
A missão de Paulo causou reações adversas às glórias presentes em Gl 3,28 e, com efeito, surge o “código doméstico de Colossenses” (Cl 3,18-4,1), que compreende o primeiro código do Novo Testamento e também o código de Efésios (Ef 5,21-6,1-9). Esses códigos, em geral, eram estímulos e conselhos para que os cristãos vivessem autenticamente a sua fé. E sem crítica à estrutura social, ele ressaltou que todos são iguais perante Deus.
Paulo demonstrou que com a unidade do corpo de Cristo, no batismo de fé, as diferenças, sejam sociais, culturais, religiosas, nacionais, biológicas e de gênero que barravam a harmonia e comunhão comunitária com Deus, são ultrapassadas.
