A abertura solene do Ano Paulino, na Basílica de Paulo fora dos Muros em Roma, realizada pelo Papa Bento XVI em junho de 2008 com os representantes das Igrejas Cristãs, nos indica pistas a trilhar em nossas ações evangelizadoras, especialmente neste Ano Nacional Catequético.
A vida e a missão do Apóstolo Paulo (cf. 1Tm 1,11) tem sido exaustivamente aprofundada pelos estudiosos e biblistas no decorrer do ano passado e agora com mais ênfase, neste primeiro semestre de 2009.
De fato, Paulo foi um homem de Deus. As suas palavras e seu testemunho de vida são fonte rica perene para o cotidiano de todo cristão.
O ano Paulino é um grande evento para a Igreja, mas não deverá se encerrar no dia 29 de junho, na Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, e depois esquecido e recordado com estampas ou textos estudados.
Nesta “reflexão paulina” gostaria de destacar uma característica marcante na vida toda do Apóstolo Paulo.
Um adjetivo, uma característica tão humana: a teimosia, a insistência, ou melhor, a perseverança em procurar ser melhor e permanecer naquilo que se sonha e se acredita.
Em todas as etapas do processo de Revelação de Deus, esta atitude é sempre colocada em destaque e muitas vezes solicitada pelo próprio Deus aos homens.
Desde dos primeiros relatos da Criação, o chamado do Pai Abraão, para deixar sua terra, passando por Moisés que reluta em acolher a sua vocação, aos diferentes caminhos e contextos de vida em que os Profetas foram convocados, percebemos o “SIM” que aqueles deram ao projeto de Deus. Embora um “SIM” dado na obscuridade e na incerteza, contudo, a insistência em querer acertar e estar ao lado do Bem, fez e faz com que a morte seja derrotada e a Vida sempre tenha a última palavra.
A perseverança sempre foi decisiva nestes relatos fortes da Revelação do Amor de Deus pelos homens. Podemos dizer que a perseverança é uma graça, uma verdadeira bênção para o homem. Perseverar é alimentar a vida de Deus em nós e nos outros. Preservar é sinônimo de Vida.
Mais tarde, os relatos bíblicos do Novo Testamento, a partir da figura de Maria e todo o projeto de Jesus, nos remetem sempre a uma atitude da perseverança. Deus insiste com o homem e o homem reluta e nega, mas ao mesmo tempo, busca o seu Criador, Sumo Bem.
O texto bíblico da conversão de Saulo é um dos mais comoventes e ousados. Os planos de Deus não são planejados e arrumados como são os dos homens. Como escolher e chamar um perseguidor da Igreja para transformar-se mais tarde, numa das colunas fundantes do Cristianismo?
Deus é desconcertante para os raciocínios mais eloqüentes e está à frente das descobertas e avanços humano-científicos da era pós-moderna.
Perseverar no Caminho de Damasco (cf. At 9,3), como aconteceu com Saulo, significa passar por etapas não planejadas e ao mesmo tempo, ser hábil e destemido para ajustar-se ao novo e ao desconhecido. È a vida do cristão engajado que assume Jesus Cristo por inteiro e não somente algumas horas do domingo, Dia do Senhor.
Assim que Jesus trava um diálogo desconcertante com Saulo, caído à beira do Caminho, derrubado e tombado, mas não destruído, Saulo entra em si, por meio da cegueira.
Sabemos mais depois dos desdobramentos e das conseqüências de um “FIAT”, por conseguinte de uma atitude perseverante de Paulo, de um SIM marcado por amor para o Amor.
A partir do anúncio querigmático às nações dos gentios e aos judeus, Paulo enfrenta perseguições, tribulações, calúnias, fome, frio, sede. Embora soubesse que o futuro seria marcado por uma realidade de sofrimento e de dor, ele persevera até o fim (cf. 2Tm 4, 6-7).
A Missão e o testemunho diante dos homens são desafios e oportunidades de evangelização. O anúncio vem pelo sangue e não somente pelas palavras e pelos ouvidos e pela boca. Paulo foi o homem da perseverança e da insistência. Ele assume a missão até o fim.
Todos nós, anunciadores da Boa Nova de Jesus Cristo, podemos buscar em Paulo esta atitude tão carente em nossas comunidades e em nossos relacionamentos. Desistimos e nos desviamos do Caminho com uma facilidade que, às vezes, julgaríamos até como imaturidade e superficialidade das palavras e das ações.
Outro foco que desejaria destacar ainda nesta reflexão é o tema da pessoa com deficiência no Brasil. Depois da profética Campanha da Fraternidade de 2006, cuja abordagem foi sobre aquele tema, muito ainda temos a percorrer para atingirmos a meta da verdadeira inclusão das pessoas diferentes de ser e de estar no mundo.
O pedido deixado por Jesus Ressuscitado, na aparição aos discípulos (cf. Mt 28,16-20), para a sua Igreja é um mandamento, um imperativo para todo o povo de Deus: “Ide a todos os povos do mundo e tornando-os seguidores” (Mt 28,19) em nome da Trindade.
Essa expressão “todos” indica sem sombra de dúvida, os excluídos, aqui as pessoas com alguma deficiência, de certa forma, excluídas das acessibilidades, do ir e vir, com destaque para as escadas das igrejas, sem acesso a ninguém que tenha alguma dificuldade de locomoção; a acessibilidade aos bens espirituais da Igreja de Cristo (os sacramentos, a catequese e a participação da vida comunitária).
Esta atitude perseverante e insistente de tentar anunciar a todos, foi sempre desafio para a Igreja e para homens como São Francisco de Sales e de Assis, e com muito mais ousadia hoje, nos chamados “novos areópagos e centros de decisão: “o mundo das comunicações, a construção da paz, o desenvolvimento e libertação dos povos, sobretudo das minorias, as pessoas com deficiência, a promoção da mulher e das crianças, a ecologia e a proteção da natureza” (Documento de Aparecida, n. 491, p. 221).
No decorrer da história das pessoas com deficiência, a Igreja buscou caminhos para estar ao lado delas.
Com os avanços da Medicina, da Educação, das políticas públicas e dos direitos das pessoas com deficiência e do processo perseverante de conversão dos cristãos, hoje as pessoas com deficiência podem se sentir incluídas no seio das comunidades. Existem pastorais e movimentos que se dedicam a elas: pastoral dos surdos, comunidades ARCA, Grupo Fé e Luz, FCD (Fraternidade Cristã de Doentes e de pessoas com deficiência) e tantos outros.
As portas do Templo (cf. At 3,1-10) já estão abertas em muitas dioceses e comunidades paroquiais para uma evangelização adequada e específica, onde a pessoa com deficiência é respeitada em seus direitos como filha de Deus e membro ativo na Comunidade Eclesial.
Retomemos aqui a atitude da perseverança de cristãos com algum tipo de deficiência, com o enfoque na cura do cego Bartimeu (cf. Mc 10,46 – 52). A insistência do cego em ver Jesus foi decisiva para o encontro com o Mestre. Um diálogo respeitoso, fraterno e aberto aconteceu naquele momento com o cego e o Mestre. E Bartimeu seguiu Jesus pelo caminho (cf. Mc 10,52).
As pessoas com algum tipo de deficiência, no decorrer da sua história, aqui no Brasil receberam múltiplas conceituações, causando-lhes atitudes preconceituosas e discriminatórias. Embora esse processo tenha se tornado mais ameno, ainda encontramos muitas situações preocupantes até mesmo dentro das nossas igrejas.
A catequese é a chave que desencadeia uma ação efetiva para as pessoas com deficiência na comunidade e na sociedade.
Como pode ser isso? O itinerário de uma catequese bem incultura da e a partir da óptica do acrescentar e do desenvolver no outro, o que está acobertado, leva pois a uma redescoberta de si mesmo, sua finalidade no mundo.
A catequese devolve ao homem sua integridade como cidadão do mundo e cidadão da cidade eterna (Santo Agostinho).
A metodologia e os planos dos conteúdos da fé e as atividades devem estar sempre em sintonia com o interlocutor. Disto decorre a necessidade de uma catequese apropriada, diferente, nova e atual na maneira de apresentar Jesus Cristo e todo o seu projeto de Salvação às crianças, aos jovens e aos adultos do século XXI.
O Diretório Nacional de Catequese dedicou diversos itens ao referir-se sobre os interlocutores da Catequese, priorizando as pessoas com deficiência.
Destacamos do DNC, o número 202 (…) “há inclusive catequistas e agentes de pastoral com algum tipo de deficiência”.
A teimosia das pessoas com deficiência, em sentir-se acolhidas e amadas, é o caminho para que as portas dos templos, da Formosa ou não, estejam escancaradas para receber o outro que deseja entrar e sentar-se à Mesa da Palavra de Deus e do pão repartido entre “irmãos diferentes”.
A porta aberta das comunidades significa um novo jeito de acolher pessoas diferentes, com linguagens e símbolos específicos de uma identidade e de uma cultura de um grupo específico.
Este mesmo jeito de ser dos discípulos de Emaús que souberam acolher o “peregrino”, o forasteiro no Caminho (cf. Lc 24, 13 – 35), é um forte convite a nós, catequistas, e aos cristãos em geral de nossas comunidades.
A perseverança no diálogo, o querer conviver com o outro e o forte convite que brotou do coração dos dois discípulos de Emaús que, de certa maneira, tocou o coração de Jesus Ressuscitado ao soar as palavras: “fica conosco porque já é tarde, e a noite vem chegando” (Lc 24,28), é um alerta, uma advertência para nós que planejamos os conteúdos da catequese, que coordenamos ou simplesmente convivemos comunitariamente.
De modo especial, o ano de 2009 é um Kayrós divino para a Igreja de Cristo, pois o Ano Nacional Catequético acolhe a criança e o jovem, o adulto e os da “feliz idade”, com o coração entusiasmado e os convoca a ser missionários para os seus iguais.
A sua comunidade pode sonhar em ver um catequista surdo evangelizando outros surdos, um cadeirante organizando uma dinâmica de grupo, um cego preparando uma reflexão para crianças videntes. Uma utopia, contudo já é realidade em centenas de comunidades no Brasil esta visão profética.
Um forte convite aos catequistas e agentes de pastoral para que assumam com todas as forças, as necessárias mudanças no jeito de ensinar e de conviver com os outros; desta forma a Igreja será Mãe e Mestra, ou seja, capaz de amar e ensinar, acolher e formar novos discípulos em pleno século XXI, um mundo em contínua transformação.
Insistamos nisso, sejamos perseverantes nesse Caminho.