Paulo, Apóstolo dos Gentios

Paulo Apóstolo, de quem estamos comemorando os dois mil anos de seu nascimento, foi sem dúvida personalidade de extraordinária importância para o cristianismo e de interesse

para a história universal. A sua personalidade, a origem, a formação humana e religiosa, a conversão a Cristo Jesus e a missão evangelizadora endereçada principalmente ao mundo pagão, suscitam estudo, pesquisa de sua obra literária, patrimônio de domínio universal.

“Um fator primário e fundamental que se deve ter presente é constituído pela relação entre o ambiente em que Paulo nasce e se desenvolve, e o contexto global em que sucessivamente se insere. Ele vem de uma cultura bem específica e circunscrita, certamente minoritária, que é a do povo de Israel e da sua tradição. No mundo antigo e nomeadamente no âmbito do Império Romano, como nos ensinam os estudiosos da matéria, os judeus deviam representar cerca de 10% da população total; depois em Roma, por volta dos meados do século I, o seu número era ainda menor, alcançando ao máximo 3% dos habitantes da cidade. Os seus credos e o seu estilo de vida, como acontece também hoje, distinguiam-nos claramente do ambiente circunstante, e isto podia ter dois resultados: ou a ridicularização, que podia levar à intolerância, ou então a admiração, que se exprimia de várias formas de simpatia, como no caso dos “tementes a Deus” ou dos “prosélitos”, pagãos que se associavam à sinagoga e partilhavam a fé no Deus de Israel” (Bento XVI, 02.07.08).

Sobre os judeus temos o juízo pungente do literato e político romano Marco Túlio Cícero que desprezava a sua religião e até a cidade de Jerusalém, e por outro lado a atitude da esposa de Nero, Popeia, que é recordada pelo historiador Flávio José, em Antiguidades Judaicas, como simpatizante dos judeus, e o político e historiador romano Caio Júlio César lhes tinha oficialmente reconhecido alguns direitos particulares. Note-se que o número de judeus, como de resto acontece ainda hoje, era muito maior fora da terra de Israel, ou seja na diáspora, do que no território que os outros chamavam Palestina. Compreende-se por isso como Paulo se colocava como cidadão consciente da Judéia e de Roma. Alguém definiu Paulo “homem de três culturas”, tendo em consideração a sua matriz judaica, a sua língua grega e a sua prerrogativa de cidadão romano, como atesta também o nome de origem latina. Não pode passar superficialmente a influência de algum modo da filosofia estóica, predominante em seu tempo, sobre o cristianismo.

Com a conversão de Paulo, os judeus passaram a hostilizá-lo. Foi perseguido também pelos pagãos. Os judeus cristãos de Jerusalém não o olhavam com bons olhos. Ele é um doutor da Lei. Traz uma bagagem autorizada para poder falar e escrever aos judeus convertidos seja na terra de Jesus, seja aos que viviam na diáspora.

Ninguém penetrou mais profundamente no mistério de Cristo, a ponto de dizer: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gálatas 2,20), “Para mim o viver é Cristo” (Filipenses 1,21). Conhece-se e compreende-se Paulo, quando se conhece e compreende Cristo, dizia São João Crisóstomo. O coração de Paulo é o coração de Cristo! Apaixonado por Ele, movido interiormente pelo imperioso desejo de conhecê-lo, conhecer o poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos (Filipenses 3,10), não almejava outra coisa a não ser anunciar Jesus Cristo e o seu evangelho (1Coríntios 9,16). E o fazia reconhecendo as “sementes” da Palavra encontradas na sabedoria filosófica, quando diz: “Tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de algum modo mereça louvor, é o que deveis ter em mente” (Filipenses 4,8).

Na época de Paulo, havia também uma crise da religião tradicional, pelo menos em seus aspectos mitológicos e também cívicos. Um filósofo como Sêneca, indo muito além de todo ritualismo exteriorista, ensinava que “Deus está próximo de ti, está contigo, está dentro de ti” (Cartas a Lucílio 41,1). Analogamente, quando Paulo se dirige a um auditório de filósofos epicureus e estóicos no Areópago de Atenas, diz textualmente que “Deus não habita em santuários feitos por mãos humanas… mas nele vivemos, nos movemos e somos” (Atos 17, 24.28).

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