Pe. José Comblin: crepúsculo de um profeta?

Dom Redovino Rizzardo

Bispo de Dourados – MS

Causou-me tristeza a entrevista concedida pelo Pe. José Comblin no Chile, onde esteve no início de 2011. Conheço-o e admiro-o desde os meus primeiros anos de ministério presbiteral, quando o via como um incansável batalhador por uma Igreja mais fiel ao projeto de Jesus e às necessidades do povo.

Mas, ultimamente, percebo-o triste e ressentido, talvez contaminado pelo vírus que afeta a maior parte das pessoas que ultrapassam a casa dos 70 anos (ele chegou aos 87!) –, etapa da vida caracterizada pela saudade dos “bons tempos antigos” e pelas queixas contra a superficialidade e a apatia da sociedade atual.

A entrevista faz eco a inúmeros outros artigos escritos por ele nestes últimos anos. Neles, são comuns e acerbas as críticas contra o modelo de Igreja incentivado pelos Papas João Paulo II e Bento XVI, em aberto contraste com a Teologia da Libertação: «Na América Latina, a repressão foi terrível. A ditadura do Papa é total. Pode-se criticar Deus, mas não o Papa».

Outra sua reclamação é dirigida aos Institutos, Movimentos Eclesiais e Comunidades de Vida nascidos nas últimas décadas. Ele os vê como os grandes culpados pela letargia em que jaz a Igreja, depois dos anos gloriosos das Comunidades Eclesiais de Base: «O futuro da América Latina é ser um continente evangélico. O Opus Dei, os Legionários de Cristo e todas as demais associações de ultradireita crescem a olhos vistos».

Sua dor não nasce apenas do fato de lhe parecer que «a Igreja Católica abandonou as classes populares», mas também de saber que «os teólogos da libertação têm hoje mais de 80 anos, e não apareceu ainda uma nova geração disposta a dar-lhes continuidade».

Para Comblin, a Igreja se teria transformado numa instituição como qualquer outra, sujeita a conchavos e politicagem: «Foi o Opus Dei que elegeu João Paulo II e o Papa atual, praticando a chantagem e intimidando os cardeais». Por isso, não é de se admirar que «Deus esteja presente em “La Victoria” e em “La Legua” (dois bairros populares de Santiago) e nos presídios, mas de Roma ele se afastou há muito tempo».

Nenhuma esperança, portanto? Para o teólogo belga, «o futuro do cristianismo está na China, na Coreia, nas Filipinas e na Indonésia. Supõe-se que, na China, vivam 130 milhões de cristãos em contínuo estado de perseguição». Sem dúvida, uma novidade, já que na década 1970/1980, no auge da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, tinha-se por certo que o futuro da Igreja Católica seria a América Latina…

O Pe. Comblin encerra a entrevista criticando a eventual canonização de João Paulo II, cujo papado, para ele, foi simplesmente «catastrófico. Todos os eclesiásticos que fizeram carreira com ele chegaram ao cardinalato, apesar de sua mediocridade pessoal. Nada mereciam, mas ele os promoveu. Evidentemente, agora querem canonizá-lo! Mas, uma vez que canonizaram José Maria Escrivá, todo mundo sabe que se pode ser santo sem ter virtude alguma».

Nascido em Bruxelas no dia 22 de março de 1923 e formado pela Universidade de Lovaina, o Pe. José Comblin veio ao Brasil em 1958, como resposta ao apelo do Papa Pio XII, preocupado com a falta de sacerdotes na América Latina. Autor de inúmeros e renomados livros de teologia e de formação popular, tomou várias iniciativas no intuito de aproximar a Igreja das classes trabalhadoras e campesinas. A Teologia da Enxada, os Missionários do Campo e as Missionárias do Meio Popular são algumas delas.

Apesar do ressentimento que lhe ofusca a “melhor idade”, o Pe. Comblin batalhou por uma Igreja em constante estado de conversão, como deixou claro num artigo de 3 de agosto de 2007, poucos meses após a Assembleia da Conferência do Episcopado Latino Americano, em Aparecida: «A história mostra que todas as mudanças profundas na Igreja foram realizadas por pessoas novas, formando grupos novos e criando um novo estilo de vida, sempre a partir de uma opção de vida na pobreza». Seu pecado, talvez, tenha sido esquecer que esta renovação não nasce da força prepotente e demolidora do furacão, mas da brisa suave da comunhão e da humildade (Cf. 1Rs, 19,11) de quem acredita que também os “outros”, começando pelos Papas, amam a Igreja e trabalham por ela… pelo menos tanto como ele!

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