Pecadores precisam de Leis

Dom Cristiano Jakob Krapf

Na semana passada fiz um artigo sobre divergências na Igreja diante de uma campanha que pretende confiscar as grandes fazendas por uma lei que venha colocar um limite arbitrário ao tamanho das propriedades rurais. “Uma Igreja dividida?”

Agora surgem divergências maiores diante de pronunciamentos de padres e bispos, e também de leigos e pastores, sobre o PNDH 3 do PT que pretende deixar o aborto sem restrições na lei civil. A polêmica sobre a proposta de descriminalizar o aborto levou para o segundo turno a votação para presidente, e levou candidatos a declarar que são contra o aborto e a favor da proteção da vida pelo Estado.

No entanto, a proposta está no programa das Nações Unidas e continua no ar, apesar das advertências pesadas de bispos e pastores famosos por suas pregações. A Igreja precisa continuar com a pregação a favor da vida e a favor da sua proteção pela lei civil, mas com todo cuidado para não se meter nas brigas políticas de luta pelo poder.

Um país precisa de leis para proteger os direitos dos mais fracos. Entre os direitos humanos, o primeiro é o direito à vida. O mais fraco de todos os seres humanos é aquele que ainda não nasceu. Como é que alguém pretende ter o direito de eliminar uma vida inocente?

São Paulo diz que a lei não é feito para o justo, mas para o pecador. A missão fundamental da Igreja é formar o cristão consciente que sabe o que deve fazer ou deixar de fazer, sem precisar ser enquadrado na força de leis e de castigos. Um cristão bem formado e bem intencionado consegue ver em cada situação o que significa amar o próximo como a si mesmo e procura agir de acordo com sua consciência. Progredindo no caminho da perfeição procura atingir a meta maior de amar como Jesus amou, e dedicar sua vida à construção de um mundo melhor. A mediocridade do consumismo egoísta não é coisa para cristão.

Na realidade, em quase 20 séculos de cristianismo, a humanidade ainda não conseguiu alcançar esse nível de fraternidade, nem mesmo dentro do convívio familiar. É por isso que a sociedade precisa de leis e trata certos pecados como crimes contra os quais precisa proteger os mais fracos. Também é por isso que revolucionários apresentam o atalho da luta de classes como caminho mais eficiente para um mundo de oportunidades iguais para todos. Acontece que nunca teremos um mundo melhor sem homens e mulheres melhores.

Um questionador radical pode fazer aos cristãos uma pergunta desconcertante: “Se o vosso Deus é todo-poderoso e bom, por que é que ele mesmo não intervém para segurar o braço do malfeitor para impedir pelo menos os crimes piores?” Acontece que Deus confiou o domínio da terra à boa vontade de cada um de nós e à nossa capacidade de organizar o nosso convívio em sociedade.

Independente do resultado do segundo turno, a polêmica já teve resultados positivos:

1) Deu possibilidade ao eleitor de conhecer melhor as propostas dos dois candidatos que continuam no páreo.

2) Permitiu que todos possam ver que o povo brasileiro quer um governo que cuide da proteção do direito à vida de toda pessoa humana desde o seu início.

3) Levou os candidatos a dizer claramente que vão defender a vida dos mais fracos e não permitir a liberação geral de práticas abortivas.

4) Incentivou um aprofundamento da reflexão que possa ajudar a perceber que existe uma lei anterior a mandamentos religiosos e leis civis positivas, a lei inscrita no coração do ser humano, a lei natural acessível à consciência de cada pessoa.

5) Deixou claro que a Igreja não pode desistir da luta pela proteção da vida, qualquer que seja a posição dos governantes.

Para a vida pessoal de um cristão de fé, a descriminalização do aborto não muda nada. Um cristão autêntico, e até mesmo um bom ateu, não foge do pecado apenas por medo de cair nas malhas e armadilhas de leis que punem práticas abortivas e outros crimes.

O cidadão honesto não deixa de roubar e matar apenas por medo de ser apanhado e condenado, mas por questão de consciência.  A missão especial da Igreja é formar pessoas que não precisem de leis para fugir do pecado e fazer o bem, mas façam tudo por amor.

Infelizmente, a realidade do mundo é outra. Mesmo com as leis que temos, acontecem tantos crimes que o país precisa construir cada vez maiores prisões. Como seria um país sem leis? Apenas com a lei do mais forte?

A liberação do divórcio que tirou as leis que ajudavam a proteger a estabilidade da família contribuiu para abalar ainda mais os alicerces da família já minados pelo egoísmo humano. Qualquer relaxamento nas leis contra o aborto fará crescer as práticas abortivas. Agora surgem “profetas” que perguntam: “Até quando será que Deus vai ter paciência com esta humanidade pecadora?”  O Brasil é um dos poucos países que ainda está resistindo à liberação total ou parcial do aborto.

Num mundo pluralista fica difícil argumentar com mandamentos de Deus e falar de pecados. Ninguém quer ser chamado de pecador, nem mesmo aquele que diz que não existe pecado. Resta apelar à lei natural, à lei interior da consciência. O problema é que para isso faz falta um sólido fundamento filosófico. Certos livros publicados como coisa de teologia revelam que existem até teólogos, modernos escribas e doutores da lei, que trocaram a sã doutrina por fábulas ao gosto do leitor.

Existem até “filósofos” que não têm resposta para argumentos “científicos” primários de materialistas que pretendem explicar a origem de tudo por um BIG BANG. Para que serve um filósofo que foge da questão da verdade, raiz de toda sã filosofia?

A descriminalização do aborto na lei civil vai fazer crescer ainda mais as práticas abortivas.  A Igreja não pode deixar de tentar impedir que isso aconteça, mas a sua missão essencial é formar cristãos conscientes e coerentes que não precisam das amarras de leis e das ameaças de castigos para evitar o mal e construir sua vida sobre o fundamento maior do amor.

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