«Por sua essência, a Igreja é uma sociedade desigual. Ela compreende duas categorias de pessoas totalmente distintas entre si: os Pastores e o rebanho. Somente na hierarquia residem o direito e a autoridade que se exigem para promover e dirigir todos os membros, de acordo com a finalidade da sociedade; quanto aos fiéis leigos, eles não têm nenhuma outra obrigação senão deixar-se conduzir e, qual dócil rebanho, seguir os Pastores».
Esta era a opinião que vigorava na Igreja Católica no início do Século XX, expressa pelo Papa Pio X na Encíclica “Vehementer Nos”, no dia 11 de fevereiro de 1906. Era desde a Idade Média que praticamente todas as iniciativas, inclusive no campo cultural e social, por bem ou por mal, partiam do clero e dos religiosos. Os leigos constituíam o “proletariado da Igreja”, como os definiu o escritor italiano – e candidato aos altares – Igino Giordani. Eles nada tinham a fazer senão obedecer ao clero.
A bem da verdade, porém, foram inúmeros os santos que pensaram e agiram diferente, agrupando ao seu redor pessoas que partilhassem de seus carismas e iniciativas. Contudo, deve-se reconhecer que a “emancipação” dos leigos começou com o Concílio Vaticano II (1962/1965). E o fez já em seu primeiro documento, a “Lumen Gentium”, publicada no dia 21 de novembro de 1964: «Os pastores sabem que não foram instituídos por Cristo a fim de assumirem sozinhos toda a missão salvífica da Igreja no mundo. Seu múnus é apascentar de tal forma os fiéis e reconhecer suas atribuições e carismas, que todos, cada um a seu modo, cooperem unanimemente na obra comum».
Essas reflexões me vieram à mente ao saber do plebiscito que será realizado no dia 7 de setembro. Promovido pelo Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo, seu objetivo é assim explicado pelos promotores: «A concentração da propriedade da terra no Brasil remonta à época do descobrimento, quando os portugueses aqui aportaram e se declararam senhores de tudo, desconhecendo as populações aqui existentes. Quase 50% dos estabelecimentos agropecuários no Brasil têm menos de 10 hectares e ocupam somente 2,36% da área. Na outra ponta do espectro fundiário, menos de 1% dos estabelecimentos rurais (46.911) tem área acima de 1 mil hectares cada, e ocupam 44% das terras».
Eis, então, o limite proposto pelo plebiscito: «O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo levantou, como proposta, que o limite fosse de 35 módulos fiscais. O módulo fiscal é uma referência, estabelecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que define a área mínima suficiente para prover o sustento e a vida digna de uma família de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ele varia de região para região (entre cinco e 110 hectares) e é definido para cada município a partir da análise de várias regras, como, por exemplo, a situação geográfica, a qualidade do solo, o relevo e condições de acesso».
Qual a posição da Igreja diante do plebiscito? Evidentemente, pela missão que lhe cabe na sociedade, ela não pode ficar indiferente ante as necessidades e, não poucas vezes, injustiças, que atingem seus filhos, sobretudo os mais pobres e excluídos – já que a corda sempre rebenta do lado mais fraco. Foi o que deu a entender a Presidência da CNBB, em pronunciamento no dia 19 de agosto: «Entendemos que esse gesto está em sintonia com as orientações da CNBB sobre as questões da terra. Nas Igrejas Particulares, os Senhores Bispos darão as orientações que julgarem convenientes».
É o que estou fazendo com esse artigo. A Igreja não é composta apenas de bispos e padres. A grande maioria são leigos, a quem compete a última palavra em assuntos de economia e política, que é o campo específico de sua atuação. Nada mais justo, portanto, que o clero e os religiosos confiem neles e lhes dêem a palavra, para que, nesta importante questão, consigam agir com a coragem e a sabedoria de quem tem consciência de votar para o bem da nação. Eles não são coroinhas segregados nas sacristias! Seu lugar é nas linhas de frente, respondendo adequadamente aos problemas impostos por uma globalização que privilegia o mercado e o lucro em detrimento da pessoa e do bem comum.