Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros
Novamente assistimos, com grande indignação, incêndios de grandes proporções arrasando longas extensões de terra em diferentes biomas do Brasil. Nas últimas semanas, diferentes fontes de informação mostraram o desastre ambiental provocado pela prática insana e criminosa de colocar fogo na vegetação. Ninguém ignora que o fogo destrói a biodiversidade e prejudica o equilíbrio ambiental: a vegetação é consumida, morrem os animais, desaparecem os insetos fundamentais para a polinização, o solo é empobrecido, os rios secam, contamina-se a atmosfera, o aquecimento global é acelerado e, não poucas vezes, o fogo atinge áreas habitadas, destruindo casas e espalhando terror.
A falta de consciência ecológica é uma praga em nosso país. São poucos os lugares desse imenso Brasil em que podemos encontrar, estampado na geografia das cidades e dos campos, o zelo ecológico-ambiental. Os exemplos contrários, por outro lado, são muitos: o hábito de jogar lixo nas ruas, a prática de amontoar restos de obra em terrenos baldios, a destruição do patrimônio público, o desrespeito à lei do silêncio, o descuido com os parques públicos, a poluição e destruição de nascentes, as caçadas e o tráfico de animais, sobretudo aqueles já em extinção… Uma lista maior poderia ser escrita. É vergonhoso ver que tantos brasileiros, habitantes de um território com riquezas naturais sequer ainda descobertas, ajam sob a égide da destruição. Em termos de queimadas, pode-se dizer de um ímpeto incendiário de grupos interessados em destruir a vegetação nativa para dar lugar ao pasto e à criação de gado ou mesmo dos investimentos do agronegócio. E, entre esses, há alguns que agem por si sós, quais aventureiros que se alegram com a devastação que o fogo produz. Não se pode descuidar, ainda, do problema do recurso às queimadas para preparar a terra ao cultivo. Esse expediente é histórico no Brasil e a ciência, por mais avançada que esteja, não consegue convencer aos que optam pelo fogo que, na verdade, estão mais a destruir que preparar o solo.
As leis que protegem o meio ambiente ainda são desconhecidas para grande parte da população e sua aplicação é ineficiente. Há governantes ineptos em todos os escalões e o desejo de levar vantagem em tudo macula a atuação dos políticos. Honestos ou desonestos, todos são cada vez mais desacreditados. Se a ganância de alguns ou a falta de ética de outros desmonta a credibilidade nas instâncias do poder público, corre-se o risco de a esperança arrefecer e o desânimo minar qualquer iniciativa de mudança. A necessidade de políticas públicas eficazes que protejam a Casa Comum é urgentíssima. Caso contrário, as gerações futuras estarão desabrigadas num planeta que outrora acolhera o ser humano, mas por ele acabou por ser destruído.
Há o pensamento de que se o mundo acabou uma vez com as águas do dilúvio, da próxima vez será destruído pelo fogo. Mas o fogo não tem saído das mãos do Criador, senão que sai das mãos da criatura. O trabalho arriscado e heroico de bombeiros, brigadistas e voluntários poderia ser poupado por uma consciência ecológica que implica inúmeras formas de cuidado com a Casa Comum. Quando, no último fim de semana, vi, aqui em Montes Claros, parte da Serra do Mel em chamas, ocorreu-me uma indagação: se isso é obra de um cristão, ele, por esse gesto, não teria se auto excluído da comunidade de fé quando atentou contra o Deus todo poderoso, criador do céu e da terra? Se obra de um cristão, será necessário a ele trilhar um caminho penitencial para o retorno à comunhão depois de ter cometido gravíssimo pecado ecológico.