Por uma Quaresma de superação da violência

Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas (TO)

 

Nós, católicos, iniciamos a Quaresma, de 2018, com o símbolo da cinza, cujo significado é a superação da violência. É desnecessário dizer que “o Brasil é um país violento”. Os dados estatísticos estão aí para confirmar e não me deixar mentir. Estamos em uma verdadeira “guerra cultural” que discrimina, rouba, violenta, fere e mata. A antiga “Terra de Santa Cruz”, ao perder este codinome, perdeu igualmente o rumo da paz e o seu lugar de país civilizado, democrático, seguro e pacífico. Restou a violência banalizada, gratuita, institucionalizada e a polarização e a politização de tudo.

A violência no Brasil é sinal de uma sociedade polarizada, em crise e em decadência. Todos os seus sistemas estão falidos. A violência é humana, pública, social, econômico, política e institucional. A superação da violência é bíblica, divina, cristã e espiritual. A violência não se supera com mal querência. Supera-se a violência com o perdão e o amor; com a não-violência; com a cultura do encontro, da conviviabilidade, da misericórdia e da paz; não pagando o mal com o mal; não se vigando; praticando o bem, amando, perdoando e orando. A violência se supera com Deus no coração, afinal, a misericórdia é a carteira de identidade de Deus e do cristão.

A violência está na origem do ser humano, aqui na terra. A primeira casa, a de Adão, de Eva e de seus dois filhos, Caim e Abel (Gn 4,1-15), foi também a primeira casa da violência. Ali ocorreu o primeiro crime que a humanidade tem notícia. Uma tragédia e um crime entraram e se fizeram moradas naquela casa. Esta foi a primeira de tantas casas violentas e sangrentas, na Bíblia e na história da humanidade. Deus fez o primeiro jardim, a primeira família, a primeira casa; e Caim praticou o primeiro crime. Mesmo assim, Deus fez brotar naquela casa, a misericórdia. Caim, embora assassino, não saiu da tutela e do cuidado de Deus. Deus colocou em Caim o sinal de sua pertença, para que ninguém o faça mal (Gn 4,15). Condenou o assassino, mas não o abandonou ao seu próprio destino. Deu-lhe proteção para que se regenerasse e voltasse ao convívio familiar e social. Deus usou de misericórdia para com um homicida e um assassino.

Infelizmente é esta a mesma violência, talvez mais sofisticada e mais banalizada, que enche as páginas policiais, as crônicas das tvs, das rádios, dos jornais e das redes sociais nos nossos dias. São Paulo fala de uma espécie de teografia de Cristo, no cristão: “eu trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gal 6,17). Agora, sobretudo, nesta quaresma, é a nossa vez. Esta marca é a cruz, a mesma que recebemos no rosto, desenhada com cinzas. Esta é a nossa teografia, a marca de Deus, para a superação da violência e para a luta contra a mundografia, ou seja, o mundanismo da cultura da violência. Este é o nosso jejum quaresmal. Superar a violência é ser sal da terra, luz do mundo, fermento na massa e bom odor de Cristo. Faz bem fazer o bem. A caridade desarma. O amor constrói relações interpessoais sadias, fraternas e solidárias. Assim como perdoamos a quem nos ofendeu, que Deus nos perdoe.

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