Dom Orani João Tempesta
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro – RJ
Na semana que passou, tivemos a quarta turma participando do retiro do clero da Arquidiocese. A reflexão sobre a identidade do presbítero, percorrendo os diversos momentos da história, alicerçando na Sagrada Escritura e nos Documentos do Magistério está sendo uma oportunidade para renovar o entusiasmo vocacional. Um dos aspectos aprofundados é sobre a missionariedade do presbítero na Igreja. A missão permanente encontra na vida do padre um eco que anima os demais membros da Igreja para que, como discípulos missionários, contagiem com a generosidade de uma vida totalmente dedicada ao Reino de Deus.
A Congregação para o clero publicou recentemente uma Carta Circular com as conclusões de sua Assembleia Plenária, com o título “A identidade missionária do Presbítero na Igreja”. É uma oportunidade de refletir sobre essa tese nesse momento importante da história da Igreja.
Esse documento, depois da introdução, aonde vem recordada a vocação essencialmente missionária da Igreja peregrina, que por desígnio do Pai nasce na ‘missão’ do Filho e do Espírito Santo, a Carta vai aprofundando a temática de modo pontualizado em três seções:
Na primeira, ela trata da Consciência eclesial da necessidade de um renovado empenho missionário e isso não somente pensando naqueles que nunca ouviram falar no Cristo, mas é necessário um empenho cada vez mais atual de uma prática missionária no próprio rebanho da Igreja, ou seja, entre os batizados.
Na segunda, atesta os Aspectos teológico-espirituais da missionariedade dos presbíteros, salientando “Quando se fala de missão, é preciso levar em consideração, necessariamente, que o enviado – o presbítero, nesse caso – encontra-se em relação tanto com quem o envia como com aqueles aos quais é enviado. Examinando sua relação com Cristo, o primeiro enviado do Pai, é preciso sublinhar o fato de que, conforme os textos do Novo Testamento, é o próprio Cristo que envia e constitui os ministros de sua Igreja, mediante o dom do Espírito Santo concedido na ordenação sacramental; eles não podem ser considerados simplesmente eleitos ou delegados da comunidade ou do povo sacerdotal. O envio vem de Cristo; os ministros da Igreja são instrumentos vivos de Cristo, único mediador.
Na terceira, bem mais extensa, recorda que é necessário, uma renovada práxis missionária dos presbíteros e isso se faz necessário, porque: “A urgência missionária de nossos dias exige uma renovada práxis pastoral. As novas condições culturais e religiosas do mundo, com toda a sua diversidade, segundo as várias regiões geográficas e os diferentes ambientes sócio-culturais, indicam a necessidade de abrir novos caminhos para a práxis missionária”.
Essa prática é concretizada nos seguintes fundamentos: O missionário deve ser discípulo, discípulo na missão ad gentes, não apenas partindo para lugares distantes, mas vivendo como presbítero Fidei donum mesmo nas realidades de cada país, como o nosso, onde existem lugares ainda tão necessitados da presença de missionários, como a imensa região amazônica. A evangelização missionária é um constante convite, pois é preciso ir à procura dos nossos batizados, e também de todos os não ainda batizados, anunciar-lhes, de novo ou pela primeira vez, o querigma, ou seja, o primeiro anúncio da pessoa de Jesus Cristo, morto na cruz e ressuscitado para a nossa salvação, e de seu Reino, e assim conduzi-los a um encontro pessoal com Cristo. O presbítero exercitará sua vocação missionária fundado, sobretudo, no cumprimento fiel do tria munera que se fundam o seu ministério: múnus de ensinar, santificar e governar, sobre cada um desses múnus, recorda a carta:
Ao ensinar: “Em primeiro lugar, para ser um verdadeiro missionário dentro do próprio rebanho da Igreja, segundo as exigências atuais, é essencial e indispensável que o presbítero se decida, com viva consciência e determinação, não apenas a acolher e evangelizar aqueles que o pro- curam, tanto na paróquia como em outros lugares, mas a «levantar- se e ir » em busca, primeiro, dos batizados que por motivos diversos não vivem sua pertença à comunidade eclesial, e também daqueles que pouco ou nada conhecem a Jesus Cristo”.
Ao santificar: “O exercício do munus sanctificandi está também ligado à capacidade de transmitir um sentido vivo do sobrenatural e do sagrado, que fascine e conduza a uma real experiência de Deus, existencialmente significativa”.
Ao governar: “São indispensáveis a preparação e a organização da missão nas comunidades eclesiais, nas paróquias. Uma boa preparação e uma organização clara da missão já constituem um penhor de êxito frutuoso. Obviamente, o primado da graça não pode ser esquecido, deve ser evidenciado. O Espírito Santo é o primeiro operador missionário. Por isso, é preciso invocá-lo insistentemente e com muita confiança”.
A Carta faz um convite-missão, relativo à formação missionária dos presbíteros: “Todos os presbíteros devem receber uma formação missionária específica e cuidadosa, dado que a Igreja quer empenhar-se, com renovado ardor e urgência, na missão ad gentes e numa evangelização missionária, dirigida a seus batizados, de modo particular àqueles que se afastaram da participação na vida e atividade da comunidade eclesial. Essa formação deveria ter início já no seminário, sobretudo mediante a direção espiritual e um estudo cuidadoso e aprofundado do sacramento da Ordem, a fim de salientar como a dinâmica missionária é intrínseca ao sacramento”.
A Carta em sua conclusão recorda e compromete: “Se a missionariedade é um elemento constitutivo da identidade eclesial, devemos ser gratos ao Senhor, que renova, também por intermédio do Magistério pontifício recente, essa clara consciência em toda a sua Igreja, e em particular nos presbíteros.
A urgência missionária no mundo é verdadeiramente grande e exige uma renovação da pastoral, no sentido de que a comunidade cristã deveria conceber-se em «missão permanente», tanto ad gentes como onde a Igreja já está estabelecida, ou seja, indo em busca daqueles que batizamos e têm o direito de ser evangelizados por nós.
Não podemos permanecer com uma pastoral apenas de conservação e de celebrações dos sacramentos e dos sacramentais. Dessa forma continuaremos atingindo apenas aqueles que participam de nossas comunidades. Necessitamos de ir “mar adentro para águas mais profundas” para chegar a outras pessoas e situações que também têm o direito de encontrar-se com Jesus Cristo. Precisamos de novos métodos de evangelização, à luz do Documento de Aparecida, para que nossos presbíteros sejam autênticos discípulos-missionários de Jesus Cristo indo ao encontro dos fiéis, de suas necessidades, sempre anunciando e testemunhando Jesus Cristo que está no meio de nós. Certamente não é fácil, mas o nosso sacerdócio exige um despojamento total e um engajamento literal na vivência, no agir e na pessoa de Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote.