Durante a coletiva da Conferência de Aparecida, nesta segunda-feira, 14, o arcebispo eleito de Mariana e presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha, fez uma análise da visita do papa ao Brasil. “O Brasil vive o impacto extremamente positivo da visita do Santo Padre. Esta visita de Bento XVI ajudou o Brasil a dar um passo adiante”, disse. Para Dom Geraldo a palavra do papa atingiu não só a Igreja Católica, mas todo o país. “Podemos dizer que muitos dos pontos anunciados, proclamados, defendidos pelo papa ultrapassam o interno da Igreja Católica e atingem a comunidade nacional, exatamente porque aspectos éticos foram muitas vezes sublinhados na palavra do Papa”.
Dom Geraldo lembrou a agenda cumprida pelo papa no Brasil e ressaltou o encontro com os jovens no Pacaembu. “Todos que acompanharam o que aconteceu no Estádio do Pacaembu, puderam perceber que o papa soube se comunicar com os jovens. Sua palavra provocou uma reação forte da juventude ali presente”. Ele destacou a presença de jovens de várias partes do Brasil e ficou impressionado com os que vieram de outros países.
O encontro na Fazenda Esperança parece ter chamado, de maneira especial, a atenção do arcebispo. Segundo afirma, o encontro “foi carregado de sentimento humano. A presença do papa junto a esses jovens foi estímulo para que eles lutem contra toda forma de dependência. Sua palavra foi de apoio aos jovens que estão neste processo e àqueles que os ajudam e contundente com relação ao tráfico, dizendo que os traficantes vão prestar contas a Deus do que estão fazendo”.
Para Dom Geraldo, o encontro na Fazenda da Esperança revelou “o perfil do papa com muita ternura para com os jovens e para com as crianças que o cercaram ao final do encontro e ele se colocou de maneira simpática, terna e carinhosa no meio deles”.
O encontro com os bispos em São Paulo foi classificado pelo presidente da CNBB como de “extrema relevância” e o discurso visto como de “encorajamento e de reconhecimento a todo esforço que a Igreja Católica brasileira vem fazendo na obra evangelizadora”.
Dom Geraldo destacou, ainda, a celebração do Campo de Marte como sendo de grande significado por causa da canonização de Frei Galvão. “Embora tenhamos muitos beatos e santos, nascido no Brasil, Frei Galvão é o primeiro. Isso tocou muito o coração de nossa gente”.
Leia, abaixo, a opinião de Dom Geraldo sobre outros temas.
O Santo Padre e a V Conferência
Concordo plenamente com a expressão usada aqui de que o Santo Padre não veio colocar uma camisa de força na Conferência porque, na verdade, embora tenha reafirmado de maneira contundente alguns princípios que a Igreja defende com muito vigor, também nos dirigiu uma palavra que abre o leque das questões, que não fecha a Igreja e a recolhe na sua intimidade, mas a coloca na perspectiva do mundo das grandes transformações que estamos vivendo, dos grandes fenômenos que envolvem toda a sociedade e as questões que são colocadas à Igreja no campo social, político, econômico, cultural, onde a Igreja tem também sua contribuição a trazer dentro do que é específico de sua missão. Não estamos aqui debaixo de uma camisa de força, mas com perspectivas que se abrem.
Participação na V Conferência
O caminho são os delegados. Na fase preparatória, não só os bispos foram ouvidos, mas abriu-se muito o leque de participação envolvendo nossas comunidades, paróquias, movimentos, teólogos, universidades e faculdades católicas. Todo esse processo foi conduzido para chegarmos ao que temos – o documento síntese. Como é uma síntese, nem tudo podia ser contemplado de todas as Conferências.
No caso da CNBB, fizemos uma verificação: o que estava incorporado na síntese e o que não estava. Os bispos estamos trabalhando, como os das outras conferências, para que eventuais lacunas sejam imediatamente preenchidas.
Além disso, os delegados podem ser porta-vozes dos vários grupos e movimentos que desejarem fazer chegar à Conferência suas contribuições e observações. É só entrar em contato com os delegados porque somente eles terão voz para interferir no processo.
Missão continental
Essa é uma proposta que está em processo de amadurecimento. A própria Conferência vai se posicionar para dizer se devemos terminar a V Conferência não somente com um documento final, mas também lançando uma grande ação que deve assumir toda a Igreja na América Latina e Caribe, o que não significa, de forma alguma, uma ação concentrada numa perspectiva proselitista, mas como atividade permanente da Igreja.
A ação missionária da Igreja faz parte de sua vocação e essa ação visa em primeiro lugar a própria comunidade eclesial. Precisamos todos nós estar sempre re-evangelizados. Claro que se volta também para os que se declaram católicos, mas estão fora de uma participação ativa na vida Igreja. Ela se estende, ainda, a todos que estão fora do círculo mais em torno da explicitação da fé. Mas não numa perspectiva proselitista nem de imposição do evangelho, porque a fé não se impõe, mas o evangelho se propõe.
Valorização da mulher
Acredito que a palavra do papa foi muito interessante e oportuna chamando a atenção para o machismo que é um dos traços da cultura latino-americana no seu conjunto e o brasileiro de modo especial. O papa chamava a atenção, inclusive, para o direito da mulher no exercício da maternidade. Ela precisa ter condições para isso. Ao mesmo tempo, chamou-se a atenção para o papel do marido, do esposo, do pai que deve se fazer presente na educação dos filhos e não delegar somente à mulher.
Ordenação de mulheres
O papa não entrou nessa questão. Ele falou mais do papel da mulher na família e na sociedade. Certamente esse assunto não vai entrar pauta da V Conferência.
Machismo
Esta palavra do papa foi acolhida com entusiasmo porque provocou aplausos imediatos. Por causa de nossos antecedentes históricos, temos uma cultura fortemente machista, embora, vejamos um processo de libertação do qual a mulher mesmo vem sendo protagonista. A palavra do papa vem reforçar e relembrar que a Igreja, na sua história, foi defensora da mulher em contextos muito concretos. Não é a primeira vez que a Igreja se expressa na defesa da dignidade da mulher no papel indispensável que ela realiza, não só no interior da família, mas na Igreja e na sociedade.
Apoio do Estado à família
O Estado tem obrigação de oferecer condições para que a família possa realizar plenamente suas atribuições, a sua missão. As políticas sociais devem visar a família para que possa ser célula mãe da sociedade.
Não seria justo dizer que não avançamos nesse campo. Temos que reconhecer que tem havido avanços, embora haja um longo caminho a percorrer.
Igreja e independência política
O papa chamou a atenção para uma questão muito importante porque ele colocou que a Igreja não se confunde com nenhuma proposta que se consolida uma proposta político-partidária e que nenhum partido é partido da Igreja. A Igreja tem, sim, um papel na área política, na questão da justiça, mas no nível que é próprio da Igreja que se coloca, sobretudo, no nível ético. Ao mesmo tempo o papa insistia no papel do cristão leigo, da cristã leiga, que deve ajudar a criar estruturas justas na sociedade.
O aplauso (dos bispos durante o discurso do papa) mostrava que há uma concordância muito grande (com o papa) porque a Igreja não pode se confundir com uma proposta política. A mensagem da Igreja vai além.
O discurso aos bispos foi puxão de orelha?
Não tomo a palavra do papa como puxão de orelha. Pelo contrário, é um estímulo. Porque o papa, inclusive, reconheceu o esforço que a Igreja do Brasil vem fazendo. Sua palavra é de muito apoio à atuação dos bispos. Ele explicitou de maneira muito clara pontos que devem ser observados, sobretudo pelos bispos, para preservar a identidade dos sacerdotes, dos fiéis leigos e da própria igreja. Isso não é puxão de orelha, pelo contrário, é palavra estimulante.
Pode haver tensão na Conferência?
Isso pode e é até bom porque assim as discussões vão se fazendo. Mas será sempre num clima de muito respeito e na busca da verdade iluminada, sobretudo, pela palavra de Deus.
Frei Galvão
A Canonização do Frei Galvão é um estímulo à vida de santidade que é proposta a todos que acreditam a Jesus Cristo.
Discurso magistral
O papa fez um discurso (na abertura da V Conferência Geral) muito articulado. Falou como um grande professor de teologia. Colocou os princípios teológicos muito bem explicitados e dali tirou as conclusões práticas.
Acordo para Ensino Religioso
Não frustra em nada (não ter havido assinatura de acordo entre Lula e Bento XVI) porque não havia previsão de assinatura de nenhum acordo. Esse possível acordo está numa fase preliminar de estudos, aprofundamento, ajustes. Não havia nenhuma previsão de acordo com a Santa Sé. Nem é de praxe que o papa faça isso pessoalmente. Isso é feito através da Secretaria de Estado. Essa notícia de que um acordo seria assinado não tem fundamento. A perspectiva do governo brasileiro é de que o assunto está sendo discutido nas várias instâncias governamentais.
O Ensino Religioso deve ser confessional?
Ensino religioso nas escolas já está previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases. Todas as religiões têm esse direito porque está previsto. Quanto à questão de ser confessional ou interconfessional é um aspecto que precisa ser mais aprofundado porque não podemos cair numa espécie de relativismo como se todas as religiões fossem iguais, porque não são, nem cair no outro aspecto que fosse uma espécie de proselitismo praticado dentro da escola.
Estado Laico
Que o estado brasileiro seja laico, não é só o presidente Lula quem diz. O papa também diz. Estado laico não quer dizer sociedade laica. Temos que distinguir Estado de Sociedade. Estado laico não quer dizer não reconhecer os direitos que as Igrejas têm na realização de sua missão.