Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Os ditados populares são sabedorias inscritas na vida do povo, fonte incontestável de referências e têm a força pedagógica necessária para importantes correções. Por isso mesmo, é oportuno lembrar, aqui, um ditado popular recitado, em muitas oportunidades, por velha amiga com longa experiência de vida, o que lhe confere autoridade: “presunção e água benta, cada um pode ter o quanto quiser”. Lembrando que a escolha equivocada é um risco. Certamente, além de afronta à civilidade, agir com presunção pode trazer prejuízos a diferentes processos, com perdas sociais e institucionais. É preciso, pois, buscar o remédio para esse mal e a receita vem dos evangelhos, nos muitos ensinamentos de Jesus.
Se a presunção não for tratada, ela se agrava e torna-se soberba, a grande responsável pelas indiferenças, que enjaulam o ser humano na incompetência para se relacionar. Distancia-o da sensibilidade indispensável para o exercício da solidariedade. Deve-se buscar a humildade, virtude que é o grande antídoto para curar presunções. Por ser virtude, requer dinâmicas existenciais e espirituais para desenvolvê-la. A referência a húmus, na etimologia do vocábulo humildade, remete ao sentido de “pés no chão”, à vida em parâmetros de simplicidade. Para se orientar a partir desses parâmetros, torna-se oportuno cada pessoa reconhecer a sua condição frágil e mortal que é própria de todo ser humano. Assim se encontram razões para atitudes e hábitos simples, reconhecendo-se humilde servidor.
Desconsiderar a humildade, nas dinâmicas espirituais e existenciais diárias, é um risco. Pode provocar o desvirtuamento de identidades, da personalidade e, consequentemente, desfigurar o caráter, sustentáculo para o exercício da cidadania e da vivência autêntica da fé cristã. Há de se ter presente que a presunção tem força de perversão. Enfraquece o relacionamento humano, indispensável para o desenvolvimento das iniciativas necessárias ao bem de todos. Esse mal distancia e alimenta perigosa pretensão: se achar melhor, muitas vezes, a partir da desvalorização do outro. Na esfera religiosa, há de se calcular o prejuízo terrível da presunção, causa de práticas tortas, que se dizem ligadas à fé cristã. Presunção é o habitat do orgulho e da ganância. Manifesta-se em disputas por privilégios, na busca egoísta completamente oposta à verdade do Evangelho, que tem por princípio fundamental a igualdade, o sentido de pertencimento e a solidariedade.
A presunção propicia a manipulação das razões e sentimentos religiosos, desfigurando a autenticidade evangélica. É um mal que induz as pessoas a buscarem somente arrebanhar mais, conquistar mais seguidores, arrecadar mais. Os resultados são nefastos pelo desvirtuamento da genuinidade do cristianismo, com a consequente perda de seu valor profético e profundamente transformador de mentes e de dinâmicas culturais. No horizonte da religiosidade, a presunção também impõe atrasos, gera entendimentos rígidos, retrógrados, que buscam alimentar certo domínio das aparências, servindo apenas para camuflar interesses contrários à fé cristã e ao nobre sentido da religiosidade. Esses entendimentos equivocados dão origem às idolatrias que alimentam perspectivas patológicas. E não se pode considerar normal, especialmente no contexto religioso, a idolatria a pessoas.
No mundo político não é diferente. A presunção também alimenta a inconsciência a respeito dos próprios limites, o que leva à lamentável perda do sentido de realidade. Gera, assim, incapacidade para solucionar, com a necessária urgência, os graves problemas da atualidade. A representatividade no mundo da política, contaminada pelo veneno da presunção, limita-se a agir em favor de oligarquias e na busca por privilégios. A presunção cega a indispensável e saudável capacidade para a autocrítica. Em vez desse necessário exercício, grupos e segmentos se pautam por pretensões inconsistentes, completamente desconectadas da realidade. Contexto que favorece a projeção de ídolos políticos revestidos de feições religiosas. Indivíduos que fazem da política o que ela não deveria ser, com atrasos na promoção da participação cidadã, inviabilizando, inclusive, a renovação dos nomes no exercício da representatividade e a rapidez na solução dos muitos problemas sociais.
Vale avançar no horizonte deste ditado popular – “presunção e água benta, cada um pode ter o quanto quiser”- para se reconhecer patologias que levam a atrasos civilizatórios, com a incapacidade para se enxergar novos rumos e nomes, novas práticas e respostas para as demandas da sociedade. Quem precisa sair de cena não sai, por não reconhecer que é necessário fechar um ciclo para a abertura de um novo. Alimentar a presunção é permanecer no parâmetro da mediocridade, escondida por muitas roupagens que apenas enganam para não ter que mudar o que precisa sofrer rápidas e urgentes intervenções. Tudo se justifica pela deliberada falta de consciência clarividente e de autocrítica, porque “presunção e água benta, cada um pode ter o quanto quiser”.