Falar de Natal é tocar no coração da fé cristã. Deus entrou em nossa história para salvá-la. Falar de história é falar de esperança. O Santo Padre, Bento XVI, acaba de nos brindar com uma linda encíclica – Spe salvi – que tem como tema a esperança cristã. O título é citação da Epístola aos Romanos, 8,24: “salvos na esperança”. “A redenção, pois, nos é oferecida porque nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique o cansaço do caminho”(n.1). Isto porque, ensina-nos a Epístola aos Hebreus, “a fé é a substância das coisas que se esperam; a prova das coisas que não se vêem” (11,1).
A Bíblia de Jerusalém assim traduziu o texto em questão: “A fé é um modo de já possuir o que se espera um meio de conhecer as realidades que não se vêem”. É o mesmo que nos ensina a I Epístola de São João: “desde já somos filhos de Deus, mas o que seremos ainda não se manifestou. Sabemos que por ocasião desta manifestação seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como ele é”(3,2). ). Se já não tivéssemos sido tocados pela meta, se não morasse em nós seu mistério, não caminharíamos. “E precisamente porque a coisa em si já está presente, esta presença daquilo que há de vir cria também certeza: esta « coisa » que deve vir ainda não é visível no mundo externo (não « aparece »), mas pelo fato de a trazermos, como realidade incoativa e dinâmica dentro de nós, surge já agora uma certa percepção dela”(n. 7). Que coisa é esta que deve vir e que de algum modo já se faz presente em nós? Responde a fé cristã: é a Vida Eterna. O que esperamos é a Vida de comunhão plena com Deus, com o Pai e com o Filho no Espírito Santo.
Como é bom começar o ano iluminados pela esperança! Essa esperança nos sustenta no caminho. Não há fracasso humano ou insucesso histórico que possa destruí-la. Mesmo que os acontecimentos não saiam como programamos, continuamos o caminho, pois sabemos que a meta existe e é real. A esperança cristã não nos retira da história, pelo contrário, dá-nos um motivo consistente, para continuar a trabalhar pela justiça e pela paz no mundo, pois estamos lançando as sementes do mundo que há de vir e no qual se dará a plenitude da Vida. Depois de uma longa reflexão sobre a natureza da esperança cristã e sobre sua relação com a modernidade, o Santo Padre fala sobre os “Lugares de aprendizagem da esperança”. São eles: 1. A oração como escola da esperança; 2. Agir e sofrer como lugares de aprendizagem da esperança; 3. O juízo como lugar de aprendizagem e de exercício da esperança.
No curto espaço desse artigo não dá para desenvolver toda a riqueza do ensinamento do Santo Padre. Mas é suficiente para despertar o desejo de ler e meditar a riqueza de suas reflexões. Estamos começando um novo ano. Coloquemos nossas esperanças humanas – nossos projetos – no horizonte da grande esperança cristã e seremos felizes porque, mesmo no meio das maiores dificuldades, não seremos devorados pelo desânimo. Continuaremos o caminho, porque caminho é assim mesmo, ora suave ora cheio de obstáculos. Ouçamos o Santo Padre: “eu posso sempre continuar a esperar, ainda que, em razão de minha situação de vida ou em razão do momento histórico que estou a viver, aparentemente não tenha mais qualquer motivo para esperar. Só a grande esperança-certeza de que, não obstante todos os fracassos, a minha vida pessoal e a história no seu conjunto estão conservadas no poder indestrutível do Amor e, graças a isso e por isso, possuem sentido e importância, só tal esperança pode, nessas circunstâncias, dar ainda a coragem de agir e de continuar” (n. 35).
Finalizo com o trecho em que o Santo Padre, referindo-se ao pensador Adorno, da escola de Franckfurt, põe em relevo a importância da verdade cristã sobre a ressurreição final e sobre o Juízo Universal. Assim reflete o papa: “mas ele – Adorno – sempre sublinhou esta dialética « negativa », afirmando que a justiça, uma verdadeira justiça, requereria um mundo « onde não só fosse anulado o sofrimento presente, mas também revogado o que passou irrevogavelmente. » Isto, porém, significaria – expresso em símbolos positivos e, portanto, para ele inadequados – que não pode haver justiça sem ressurreição dos mortos e, concretamente, sem sua ressurreição corporal. Todavia tal perspectiva comportaria « a ressurreição da carne, um dado que para o idealismo, para o reino do espírito absoluto, é totalmente estranho »(n. 42). Sem Juízo Final e sem Ressurreição, a justiça e a verdade jamais serão restabelecidas. A história humana terá sido uma tragédia.