Essa pergunta foi feita ao Cardeal emérito de Milão, Carlo Maria Martini, em diálogo com o Pe. Georg Sporschill, que desenvolve um belo trabalho com meninos de rua na Romênia e na Moldávia. Ambos se encontraram em Jerusalém e passaram noites inteiras em perguntas e respostas. Uma das perguntas foi exatamente esta: Qual a influencia da fé na política?
O Cardeal respondeu: “Como cristãos, olhamos para Jesus. Ele é o fundamento de algo totalmente novo: a Igreja. Jesus realiza a missão de Deus ao criar um segundo instrumento para a paz, ao lado do povo escolhido primeiramente, o povo de Israel. Com isto Jesus se coloca na linha de frente. Jesus enfrentou todas as autoridades políticas: Herodes, Pilatos, o Sinédrio, os partidos dos fariseus e dos saduceus. Ele lutou apaixonadamente pela justiça e queria mudar o mundo. A Igreja de Jesus Cristo deve trabalhar para que o mundo se torne mais justo e mais pacífico.
Segundo a Bíblia, a justiça está acima do direito e da misericórdia: é um atributo fundamental de Deus. Justiça significa comprometer-se com os desprotegidos. Justiça significa intervir de forma ativa e ofensiva por uma convivência onde todos vivam em paz. A Justiça deve vigiar para que o direito, tal como está formulado nas leis, possibilite uma vida digna para todos. Jesus deu sua vida pela justiça. Procurou o diálogo com os poderosos… e eles se sentiram incomodados por Ele.
Jesus se pôs do lado dos pobres, dos sofredores, dos pecadores, dos pagãos, dos estrangeiros, dos oprimidos, dos famintos, dos presos, dos humilhados, das crianças e das mulheres. Quem se põe do lado das pessoas sem pastor, quem as reúne e as conscientiza, se torna perigoso para os detentores do poder. Sempre que cristãos assumem a opção pelos pobres feita por Jesus, devem ainda hoje contar com perseguições” (Diálogos Noturnos em Jerusalém, pg.149-150, Paulus).
O princípio de que “a fé sem obras é morta” permanece como grande desafio do testemunho pessoal e social dos cristãos, e exige um efetivo compromisso na transformação das estruturas injustas que oprimem e matam a vida dos indefesos. Os bispos do Brasil, ao celebrar os 500 anos de Evangelização, escreveram: “Desejamos, confiantes, renovar a nossa fé.
Proclamamos que Jesus Cristo é a nossa esperança. Sua presença no meio de nós é a garantia de que a semente do Evangelho jamais será sufocada ou destruída pelas forças do mal. Ela é destinada a tornar-se a espiga que dará muitos grãos e a árvore que oferecerá abrigo a muitas aves” (Doc. CNBB 65, nº 63). A semente da Palavra de Deus em nossos corações é a certeza de uma sociedade justa, solidária e repleta de fraternidade.
A fé cristã une estreitamente o amor a Deus ao amor aos irmãos. Um não pode ser autêntico sem o outro. “Se alguém disser: amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (Jo 4,20). Em outras palavras: “O Evangelho do amor de Deus pelo homem, o Evangelho da dignidade da pessoa, e o Evangelho da vida são um único e indivisível Evangelho” (Doc. CNBB, nº 65). Por isso a fé tem tudo a ver com a política, que tem como primeira e mais importante missão a busca do bem comum de todos e a luta pela justiça social. Sem a fé nos tornamos ditadores dos outros e de nós mesmos.