Quando o furacão é bem-vindo!

Em Dourados, no Mato Grosso do Sul, a Semana da Pátria de 2010 começou com um “furacão” tão impetuoso, que colocou em polvorosa a população local e ocupou as manchetes dos meios de comunicação do país e do exterior. O “ciclone”, desencadeado pela Polícia Federal, tomou o nome de “Operação Uragano” (furacão, em italiano) e pôs na cadeia as principais lideranças políticas da cidade.

De uma hora para outra, soube-se que Dourados não fazia exceção ao que parece ser regra no Brasil: a corrupção, uma pandemia que ameaça tomar conta de todos os segmentos e estruturas da sociedade, como reconheceram os bispos da América Latina, reunidos em Aparecida, em 2007: «Cabe assinalar, como grande fator negativo em boa parte da região, o recrudescimento da corrupção na sociedade e no Estado, envolvendo os poderes legislativos e executivos em todos os níveis, alcançando também o sistema judiciário que, muitas vezes, inclina seu juízo a favor dos poderosos e gera impunidade, o que coloca em sério risco a credibilidade das instituições públicas e aumenta a desconfiança do povo. Em amplos setores da população, sobretudo entre os jovens, cresce o desencanto pela política, pois as promessas de uma vida melhor e mais justa não se cumpriram ou se cumpriram só pela metade».

As lideranças políticas que, em Dourados, acabaram na prisão, tinham sido eleitas no dia 4 de outubro de 2008. Sua vitória nas urnas se transformou numa imponente festa popular, com a presença maciça das camadas mais carentes da população, que se sentiram cativadas pelas promessas de melhoria, sobretudo no campo da saúde pública – um verdadeiro caos, não apenas em Dourados, mas em praticamente todo o país.

Não posso esconder que, na ocasião, eu me senti frustrado, pois a quase totalidade dos candidatos apoiados pelas comunidades e movimentos católicos, tanto em Dourados como em várias outras cidades da Diocese, não conseguiu se eleger. Qual terá sido o motivo? Talvez porque os cristãos esquecem que faz parte de sua fé a participação ativa e conscienciosa nas eleições? Diz-se que a maioria deles prefere atuar na Igreja antes que na sociedade (se é que se podem separar os campos…). Contudo, a missão por excelência dos leigos é a política, lembrou o Papa João Paulo II, em 1999: «A América necessita de cristãos leigos preparados para assumir cargos de dirigentes na sociedade. É urgente formar homens e mulheres capazes de influir, segundo a própria vocação, na vida pública, orientando-a para o bem comum. No exercício da política, considerada no seu sentido mais nobre e autêntico de administração do bem comum, eles encontram o caminho da própria santificação».

Entre os presos da “Operação Uragano”, há vários que se professam cristãos, tanto católicos como evangélicos. Se isso aconteceu, talvez seja porque a América Latina é um continente que foi batizado, mas não evangelizado. Esquece-se que a fé, para ser verdadeira, deve atingir a razão e o coração, a pessoa e suas atitudes. Caso contrário, se lhe aplicariam as incisivas palavras de São Tiago, que transcrevo numa tradução livre: «Alguém, talvez, diga: “Você tem a fé e eu tenho as obras”. Insensato! Mostre-me a sua fé sem as obras e eu, com as minhas obras, lhe mostrarei a minha fé. Você diz acreditar que Deus existe? Muito bem! Só que também os demônios acreditam e continuam demônios» (Tg 18-19).

Graças a Deus, porém, para todo mal há um remédio. Esta convicção era tão forte em São Paulo, que não cansava de repetir: «Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus» (Rm 8,28). É o que está acontecendo em Dourados e em todo o Brasil. São uma multidão as pessoas, inclusive jovens, que não apenas pedem “ficha limpa” aos candidatos políticos, mas também a si mesmos. E o fazem porque sabem que a força do mal é tão grande que «até Satanás se disfarça em anjo de luz» (2Cor 11,14). É por isso que acreditam nas palavras do Documento de Aparecida: «Os cristãos devem recomeçar a partir de Cristo, para se fazerem discípulos dóceis e aprenderem dele a dignidade e a plenitude da vida. Pois só quem reconhece a Deus conhece a realidade e pode responder a ela de modo adequado».

Dom Redovino Rizzardo

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