Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros
Faz alguns anos, por razões várias, eu andava desalentado com meus trabalhos e projetos. Tinha a sensação de que tudo era muito custoso e difícil. Deparava-me com críticas que entendia muito estreitas. Considerava que não conseguia dar as razões dos procedimentos que defendia como necessários na missão a mim confiada. Isso já tinha ocorrido em outros momentos de minha vida. E se hoje escrevo sobre isso, é porque vejo que o mesmo ocorre com grande número de pessoas.
Talvez, naquela situação, o próprio desânimo tenha me deixado mais sensível e atento. O fato é que numa viagem, sozinho, enquanto dirigia e escutava um programa de rádio, ouvi um poema. Era Juca de Oliveira quem o declamava, com sua voz cadenciada. O pequeno texto era da autoria de Jacob Riis, dinamarquês que viveu nos Estados Unidos, fez fama como fotógrafo e ali faleceu em 1914. Eis o poema intitulado “O cortador de pedras”: “Quando nada parece ajudar, eu vou e olho o cortador de pedras martelando sua rocha talvez cem vezes, sem que nem uma só rachadura apareça. No entanto, na centésima primeira martelada, a pedra se abre em duas e eu sei que não foi aquela a que conseguiu, mas todas as outras que vieram antes”.
Eu escutei esse poema apenas uma vez naquela viagem. Mas suas palavras foram de uma contundência inacreditável. Provocaram em mim um misto de consolo e de ânimo, de curiosidade e apelo para escutá-lo novamente. Desse modo, pedi ajudas para procurar o texto. Um amigo consultou o programa da rádio, encontrou o poema e me enviou. Reli-o várias vezes. Falei dele com pessoas próximas. O poema despertava em mim uma coragem nova. Aquela que se chama perseverança. Em mim, o desânimo era vencido pela energia nova que brotava de meu interior. Convencido estava que nada é fácil. Antes, tudo pede trabalho. Até mesmo para o poeta a escrita é um ofício.
Vi em mim o próprio cortador de pedras, insistente, incansável, perseverante a martelar a própria vida. É preciso energia e determinação, como atitudes ascéticas para o duro exercício de martelar. Pensei que eu mesmo poderia ser a pedra, resistente a me abrir ao novo, a aceitar as surpresas da vida, a acolher as novidades desconcertantes. Lembrei-me do processo cheio de detalhes da lapidação de pedras preciosas. Na meditação imaginei Deus, que não desiste de nenhum de nós. Tudo concorre para o êxito da graça.
Desde então tenho sempre à vista esse poema e já o distribuí para centenas de pessoas, a maioria delas participantes de retiros orientados por mim. Já passei por outros momentos desanimadores, mas com a diferença de me relembrar sempre do cortador de pedras. Nesse tempo de pandemia, quando avançam os meses de isolamento social, quando permanecemos sob os protocolos dos cuidados sanitários e do distanciamento, recordo-me desse poema que desperta em mim, mais uma vez, o apelo para não desanimar em relação a nada. E o compartilho com você, que lê esse pequeno artigo, na esperança de que as palavras desse poema despertem em você a coragem de continuar, não obstante os desafios desse tempo, porque haverá o momento de a pedra se abrir. A alegria de vê-la aberta alimentará o desejo de continuar a tarefa de cortar outras pedras. E de prosseguir.