Dom Orlando Brandes
A mensagem do Papa Bento XVI para a quaresma de 2009 tem como tema central o jejum. Jesus jejuou quarenta dias (MT 4, 1-2). Moisés e Elias antes de se encontrarem com o Senhor, jejuaram (Ex 34,28 e IRs 19,8). O jejum faz bem para a pessoa, aproxima-nos mais de Deus e nos torna mais compassivos com os que passam fome.
Desde o paraíso, Deus prescreveu o jejum: “Não comas da árvore do bem e do mal, porque morrerás” (Gn. 2,16-17). Esdras convidou todo povo a jejuar no regresso do Exílio à Terra Prometida (8,21). Assim fizeram também os habitantes de Nínive sob os apelos do profeta Jonas (3,9). Todos estes jejuns ajudam a perdoar e reparar os pecados, a aproximar-se de Deus, a ter mais solidariedade com as pessoas. O jejum dilata o coração, ilumina a mente, aumenta a fé e colabora com a saúde.
É preciso jejuar, pois não só de pão vive o homem. Nosso verdadeiro alimento é fazer a vontade do Pai (Jo 4,34). Jesus jejua e ensina que quem pratica o jejum não deve assumir um ar sombrio, desfigurar o rosto, para que os outros percebam que está jejuando. Pelo contrário, é preciso ungir a cabeça com perfume e lavar o rosto, porque o Pai vê o que está oculto (cf. MT 6, 16-18). O jejum seja pois testemunhado com alegria e normalidade, porque sacia nossa fome de Deus e leva a ter consciência do drama da fome.
O que poupamos pelo jejum seja distribuído aos pobres. Hoje temos necessidade daquele jejum descrito por Isaias (58, 6-8): romper com a iniqüidade, libertar os oprimidos, repartir o pão, acolher o desabrigado, vestir o nu. Numa sociedade de consumismo, desperdício, obesidade que simultaneamente convive com a fome, a miséria e novas pobrezas, o jejum readquire uma atualidade ímpar.
Como nos faz bem, o jejum do sono, para entregar-nos à oração desde a madrugada. O jejum dos olhos nesta cultura do vídeo, da pornografia, da corrupção virtual é mais que urgente. Não é justo que o computador venha fracassar casamentos, intrometer-se na intimidade das pessoas e seduzir crianças. É hora do jejum eletrônico. Quanto bem nos faz o jejum da língua que divulga a difamação, a mentira, o insulto, esconde as qualidades dos outros e exalta seus defeitos. O jejum da língua é um remédio contra a fofoca, a demagogia, o palavrório, a lábia, a tagarelice.
Jejuar é o mesmo que santificar-se, crescer na vida ética e espiritual. Quem jejua comporta-se como um rei que não se deixa dominar pelos vícios e ordena os afetos. Com a força do jejum vencemos a batalha contra o cigarro, o álcool, as drogas, a gula, o sexo desordenado. Assim, jejuar é conquistar a liberdade, abandonar apegos, libertar-se das escravidões e ditaduras dos vícios e paixões. Do jejum vem a liberdade, a alegria, a paz, o autodomínio, portanto a vida em plenitude.
O coração do jejum consiste em experimentar a realidade da fome que humilha a humanidade e reconquistar a consciência da solidariedade e da partilha. O jejum nos faz profetas dos pobres e companheiros dos excluídos. Por isso, o ato de abster-se de alimentos tem repercussão na vida de pessoas, da comunidade e da sociedade. Jejum hoje é um ato profético, social e terapêutico.
O problema social mais agudo em nossos dias é a desigualdade social. Gente muito rica e gente na miséria. A globalização aumentou este fosso e a atual crise econômica provoca mais pobreza, mais fome e maior desigualdade. O jejum é uma prática e uma espiritualidade para sentirmos em nossa carne a humilhação da fome, o drama da pobreza. Precisamos reforçar o “Mutirão de combate à fome” e aprimorar a segurança alimentar. Nosso jejum pessoal nos impele a colaborar na superação da desigualdade social e da fome imerecida. O cristão olha também para o estômago do irmão. “Tive fome e me destes de comer” (MT 25, 35).