O calendário litúrgico da Igreja, no mundo católico, acompanha os mistérios do nascimento, ministério, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ao preparar a Páscoa do Senhor, celebra o tempo da Quaresma, portador de graças especiais para os fiéis. No ciclo da Páscoa, a Quaresma tem uma espiritualidade própria que toca a consciência dos católicos, chamando-os a uma continuada conversão, e fala ao seu coração, suscitando atos de misericórdia, justiça e caridade que são alimentados pelo exercício da oração pessoal e comunitária. Como não poderia deixar de ser, o centro de toda a vivência celebrativa da Quaresma é Jesus Cristo que se revela na fragilidade humana, submetida às tentações, que está presente na vida de pessoas sedentas de Deus e do sentido da existência, como ocorreu no seu encontro com a samaritana, que sempre é sensível diante dos fracassos dos outros, tal como expressou na parábola do filho pródigo, que, na transfiguração, em meio aos desafios transitórios da missão, antecipa a Pedro, Tiago e João a experiência definitiva da felicidade no céu.
O período da Quaresma é favorável para o cultivo da fraternidade e da solidariedade porque a comunhão com Deus, necessariamente, move os cristãos na direção dos seus semelhantes. O exame de consciência e a revisão de vida, que são inerentes à espiritualidade quaresmal, apontam aos fiéis os seus erros e pecados em relação a Deus e ao próximo, por ações e omissões. Por isso, a dimensão da fraternidade é um elemento integrante da vivência quaresmal. Dessa forma, além de debruçar-se sobre si mesmo, o olhar cristão de cada pessoa volta-se, igualmente, para o outro. Com efeito, a fraternidade compreende a relação interpessoal que mais imediatamente evidencia a qualidade da convivência harmoniosa. Nesse terreno, porventura, haverá pessoas que não constatem fissuras no relacionamento com seus semelhantes? Com certeza, a grande maioria as identifica, ao longo de sua história de vida, apenas como cicatrizes ou ainda como chagas abertas.
O cultivo da fraternidade, todavia, compreende uma perspectiva que lhe é indissociável – a coletividade. A Igreja, no Brasil, exercita essa dimensão da fraternidade, socialmente enfocada e pastoralmente trabalhada, desde 1964, com a realização da Campanha da Fraternidade. Graças à sua pedagogia, o olhar comunitário sobre a realidade coletiva tem um significado especial porque abre janelas de visualização, na leitura do problema levantado e, em razão de ações traçadas, gera participação, na busca de suas soluções. A razão de ser da Campanha da Fraternidade sempre foi a vida – a vida da Paróquia, da Igreja, do povo, de determinada parcela do povo, a exemplo dos encarcerados, migrantes, idosos. Na se trata apenas de uma leitura sócio-política da vida da sociedade brasileira; mas, ao se defrontar com a realidade da população, não deixa de sê-lo, porém o faz com a iluminação da Palavra do Evangelho. Palavra que, com a mesma potencialidade daquela semente, de que fala Jesus em suas parábolas, continua sendo lançada pela Igreja no chão concreto das comunidades cristãs e no âmbito de uma sociedade que tem estratos reconhecidamente marcados pela secularização que, assim, ficam indiferentes ou se revelam avessos ao anúncio da Boa Nova.
Este ano, o tema da CF – “Fraternidade e Vida” – e o lema – “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24) – põem em relevo a necessidade de uma economia que esteja a serviço da vida coletiva, dado que o fenômeno da globalização é altamente concentrador de renda e, portanto, segregador. O dinheiro, se sempre o foi, constitui hoje o parâmetro graúdo de uma economia que distancia pessoas, grupos e nações. Enquanto isso, a coleta da Campanha da Fraternidade, provavelmente considerado um gesto minúsculo, apóia iniciativas concretas de economia solidária em muitas comunidades brasileiras. Com certeza, uma visão cristã e uma prática cidadã podem dar um endereço solidário à economia que faz parte do cotidiano humano.