Dom Caetano Ferrari
Diocese de Bauru (SP)
As palavras acima foram ditas por Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano que foi executado no campo de concentração de Flossenbürg, Alemanha, em 1945, pouco antes do fim da segunda guerra mundial. Outro testemunho exemplar dos campos de concentração vem de São Maximiliano Kolbe, franciscano, que morreu em Auschwitz, Polônia, em 1941, quando também prisioneiro se ofereceu, voluntariamente, para substituir um pai de família que tinha sido sorteado a morrer de fome como castigo pela fuga de outro prisioneiro. O Estado de Israel lhe concedeu o privilégio de ser aceito como “Justo entre as nações”, tanto quanto o fez com Bonhoeffer. O Papa São João Paulo II canonizou Frei Maximiliano, em 1982, chamando-o “Santo do nosso século difícil”, de guerras e violências. Ambos, vítimas da violência e da maldade, podem nos animar a não desesperar diante da violência atual e a não desistir de lutar pela construção da paz, como nos propôs a Campanha da Fraternidade. Eles são exemplos perfeitos de cristãos que compreenderam o sentido da Páscoa e, seguindo a Cristo até à sua morte na cruz, não tiveram medo de oferecer as suas vidas pelas vítimas da violência nem perderam a esperança de ver estabelecida em algum dia a paz na face da terra.
O domingo de hoje é o segundo da Páscoa. O Calendário Litúrgico nos faz celebrar a Páscoa durante cinquenta dias, mas como se os cinquenta dias fossem uma só festa pascal continuada, um só domingo da Páscoa. A Páscoa-fato realizada em Cristo é única e aconteceu na história. As ações salvíficas operadas por Cristo que realizaram o plano salvador de Deus continuam a se dar no mundo pelo corpo místico de Cristo, a Igreja com o seu povo santo pela ação do Divino Espírito Santo.
A Igreja celebra a Páscoa-fato por seu culto sagrado, atualizando e vivendo os mistérios salvíficos de Cristo através de ritos comemorativos dos mesmos mistérios, isto é, pela Sagrada Liturgia. Os mistérios de Cristo, centrados na Páscoa-fato, são pela Liturgia tão valorizados que os torna presentes, atuais e, ainda, indicam o futuro, um futuro de paz e bem. Abrangem, portanto, o passado, o presente e o futuro. Pela Liturgia o culto de Cristo e da Igreja compreende três elementos: o fato valorizado ou a Páscoa-fato ou o mistério de Cristo, o rito com seus símbolos e orações que expressam a celebração, e a intercomunhão solidária entre os fiéis pela recepção da graça e bênção de Deus, que alimentam a fé, a esperança e a caridade e apontam para a vida futura. Assim ensina a Teologia da Igreja.
A Sagrada Liturgia é o culto divino oficial da Igreja prestado a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo para a glorificação de Deus Trino e Uno e a santificação dos seres humanos. A Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia do Concílio Vaticano II afirma que em Cristo “deu-se o perfeito cumprimento da nossa reconciliação com Deus e nos foi comunicada a plenitude do culto divino. Esta obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus… completou-a o Cristo Senhor, especialmente pelo mistério pascal de sua sagrada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão; por este mistério, Cristo ‘morrendo, destruiu a nossa morte e, ressurgindo, deu-nos a vida’. Pois, do lado de Cristo agonizante sobre a cruz nasceu ‘o admirável sacramento de toda a Igreja’” (SC, 5). Por conseguinte, o mesmo documento diz que “a Liturgia é o cume para o qual se dirige a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte donde emana toda a sua força” (idem, 10). Pela Sagrada Liturgia ou o culto divino celebrado na Igreja, as ações salvíficas de Cristo tornam-se novamente presentes ou são atualizadas para a glória de Deus e a nossa santificação. Contudo, a fim de que possamos viver em Cristo ou participar da vida de Cristo ressuscitado, a ação litúrgica na Igreja nos coloca em contato com o acontecimento fundador da nossa fé, que é a Páscoa de Cristo, porque Jesus Cristo é a verdadeira Páscoa. Mediante as celebrações litúrgicas da Igreja e na Igreja a obra da salvação da humanidade realizada por Cristo no tempo pode ser sempre experimentada e vivida. Quando a Igreja celebra a Páscoa de Cristo celebra também Jesus Cristo que continua na história libertando, salvando, fazendo o bem e estabelecendo a aliança com o seu povo mediante a Igreja e os cristãos que vivem a Páscoa na Páscoa de Cristo Jesus. Nosso Catecismo da Igreja Católica afirma que toda celebração litúrgica é sempre um acontecimento sagrado e venerável. Porque é o próprio Deus que está presente nos seus sinais sagrados e nas suas preciosas orações, muitas vezes antiquíssimas (cf. Youcat, 167). Através dos sinais sagrados da Liturgia Deus age em nós.
Concluindo, celebremos intensamente a Páscoa do Senhor neste Tempo Pascal de cinquenta dias, mas ainda nos Domingos do Tempo comum, nas festas da Mãe do Senhor e dos Santos e Santas.
O Evangelho de hoje é de João 20, 19-31. O ressuscitado aparece aos discípulos no primeiro dia da semana, que se transformou para sempre em “Dia do Senhor”, o Domingo. Os discípulos reconhecem o Senhor, recebem dEle o seu Espírito Santo e a missão de levar ao mundo a Paz.