Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Muitos dos gestos e ensinamentos de Jesus acontecem em torno da mesa, num ambiente de convívio, e tantas vezes ele está nas casas das pessoas, juntamente com seus discípulos. O Evangelho de São Lucas apresenta ensinamentos que remetem ao grande convite para o Reino de Deus em torno de uma refeição (Lc 14,1-14). Num momento solene, em dia de sábado, Jesus realiza uma cura de um homem hidrópico que, pela sua enfermidade, não deveria estar numa sala de banquete em pleno dia de sábado! Todos os olhares se voltam para ele, com questionamentos profundos, levados que eram os comensais, pessoas importantes na sociedade e na religião, a experimentarem grande dificuldade com aquele que abre um novo horizonte de acolhimento a todos e a porta do banquete do Reino de Deus a todos os machucados e estropiados da vida.
Jesus conta uma pequena parábola a respeito de uma festa de casamento. Até hoje as listas de convites existem e selecionam de algum modo os que deles participam. E o Senhor oferece um ensinamento que vale também como boa educação e civilidade: escolher o último lugar, aquele mais simples. A conclusão é muito forte e se torna norma de vida para os cristãos: “Todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 14,11). É impressionante a atualidade da lição oferecida por Jesus, ele que continua observando nossas escolhas, a busca dos primeiros lugares, a competição e a concorrência. Aliás, justamente a concorrência considerada quase um motor da sociedade em nossos dias, tem contribuído para uma imensa quantidade de pessoas excluídas e marginalizadas. É que não se descobriu a riqueza de uma palavrinha decisiva, “comunhão”, com a qual os bens podem e devem ser compartilhados.
Deus não quer que qualquer pessoa seja humilhada, mas paradoxalmente propõe-nos a capacidade de nos humilharmos, assumir o último lugar, de forma que a competição, no grande banquete do Reino de Deus, deverá ser a pergunta sobre quem ama primeiro e não o desejo de aparecer mais. A norma é simples e exigente: “O amor seja sincero. Detestai o mal, apegai-vos ao bem. Que o amor fraterno vos una uns aos outros, com terna afeição, rivalizando-vos em atenções recíprocas” (Rm 12,9-10). Trata-se de uma sadia competição, onde todos se fazem menores do que os outros e todos se sentem igualmente dignos e importantes. A dignidade e a honra que cabe a cada um é dada pelo próprio Senhor. Jesus inverte os critérios de julgamento e de comportamento desse mundo. Quem se reconhece pecador e humilde é exaltado por Deus, e quem pretende reconhecimentos e os primeiros lugares se arrisca a ficar fora da festa da vida no Reino de Deus.
A referência para todos é o próprio Senhor, de acordo com a recomendação de São Paulo: “Haja entre vós o mesmo sentir e pensar que no Cristo Jesus. Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano. E encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte – e morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o Nome que está acima de todo nome, para que, ao Nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra, e toda língua confesse: “Jesus Cristo é o Senhor”, para a glória de Deus Pai (Fl 2,5-10).
Como percorrer este caminho da humildade, tendo o pensar e o sentir de Jesus? (Cf. Unos momentos con Jesús y com María, septiembre 2019). Humilde é quem se mantém no nível de humus, quer dizer, da fecundidade da terra. A pessoa humilde vai ao encontro dos outros, de igual para igual. É capaz de aceitar a ajuda dos outros com simplicidade e oferecer auxílio com naturalidade. É a humildade que faz possível o amor na família. Entre os esposos, é a humildade que leva a buscar o que agrada o cônjuge e promover o seu crescimento. Na Igreja, é a humildade entre os membros que edifica. Cristo se humilhou até a norte de Cruz, e o cristão, tendo em si os sentimentos de Cristo, é capaz de reconhecer em todos algum grau de presença de Deus.
Também na construção da sociedade é necessária a humildade. Quando cada um reconhece seus erros e limites, não se torna prepotente e orgulhoso. E quando não nos sentirmos superiores aos demais, seremos capazes de construir uma sociedade mais justa e fraterna. Não se trata de nivelar tudo, pois a vida social comporta múltiplas funções. Entretanto, não é porque alguém ocupa um cargo mais alto na sociedade que terá maior importância enquanto pessoa, pois todos temos a mesma e igual dignidade.
No Reino de Deus acontece assim: quem pretender ser mais importante ou maior do que os outros, acabará humilhado, e quem se faz servidor humilde será engrandecido. Mas é bom ressaltar que a verdadeira humildade não deixa de lado uma sadia e equilibrada autoestima. Humildade não é humilhação e a simplicidade não é desprezar-se, mas avançar pelo caminho da verdade que nos faz felizes. Viver humildemente é não pretender ser maior ou menor do que se é de verdade, é valorizar os outros na medida justa, sem exageros de qualquer tipo.
Ao participarmos da Missa Dominical, a primeira leitura proclamada neste Domingo reforça as indicações práticas para vivermos a virtude tão necessária para a vida cristã (Eclesiástico 3,19-21.30-31): “Filho, realiza teus trabalhos com mansidão e serás amado mais do que um homem generoso. Na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim encontrarás graça diante do Senhor. Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios. Pois grande é o poder do Senhor, mas ele é glorificado pelos humildes. Para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado está enraizada nele, e ele não compreende. O homem inteligente reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria”.