Dom Pedro José Conti
Conta uma história que um famoso cavaleiro da corte, que tinha servido por cinqüenta anos o seu príncipe, foi visitado pelo seu senhor quando estava muito doente. O príncipe, por gostar muito desse seu servidor, perguntou-lhe se podia fazer alguma coisa por ele.
– Peça livremente, não tenha medo da minha recusa – falou o monarca com autoridade.
– Meu Rei, desejo somente que o senhor alongue a minha vida por mais quinze minutos – respondeu o moribundo.
– Você me pede o impossível! Peça qualquer outra coisa que eu possa fazer.
O homem, tomado por grande angústia, conseguiu ainda dizer: – Que decepção! Eu o servi por cinqüenta anos da minha vida e você não pode me dar nem quinze minutos a mais de vida! Se tivesse servido com a mesma fidelidade ao único e verdadeiro Senhor, agora ele me daria não somente quinze minutos, mas uma eternidade de vida feliz. E com essas palavras morreu.
Quando chega a nossa hora, ninguém pode juntar mais um minuto nem à própria vida e nem à vida dos outros. Jesus também foi desafiado a fazê-lo. O povo, aos pés da cruz, gritava: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo e a nós”. O tom era de zombaria, carregado da arrogância de quem quer desmascarar uma fraude. Se Jesus morrer como todos os seres humanos, ficará claro que ele foi um grande impostor. Nada de Filho de Deus, Salvador ou Messias. Falou bonito, mas agora as palavras dele não lhe servem mais para nada. A palavra final será da morte.
Quantos de nós ainda duvidamos na frente da cruz de Jesus. Na nossa maneira de pensar, terrivelmente humana, temos dificuldade de entender o seu sentido e acreditar no seu valor. Ainda pensamos que um gesto teatral, de última hora, uma saída do jeito de Superman, resolveria tudo e de uma vez por todas. Todos acreditariam; seria um triunfo. Mera ilusão de quem raciocina com o “salve-se quem puder”. Afinal quem não pode salvar da morte a si mesmo, como poderá prometer a vida aos outros?
No entanto, neste final trágico de perdedor, um dos dois malfeitores condenados com Jesus surpreende a todos. Chama Jesus pelo nome, com confiança, o declara inocente e lhe pede que se lembre dele quando estiver no seu reino. O centurião que o matou afirma: “Realmente este homem era justo!”
O que está acontecendo? Que “salvação” é essa? Desde que a humanidade existe, as pessoas buscam a felicidade por meio da posse das coisas – é a riqueza – através da dominação sobre outros seres humanos – é o poder – através a manipulação de Deus – são as forças consideradas ocultas e ameaçadoras. Quanto mais nos agarramos a tudo isso, mais ficamos desesperados quando o perdemos. Se tivéssemos aprendido a doar, poderíamos seguir a Jesus mais de perto e entender o seu gesto de amor. Ele nos ensina a viver entregando a vida, transformando-a de uma propriedade particular a ser defendida num dom a ser oferecido. Jesus doou a sua vida para o povo, os pobres, os doentes, os excluídos, os pecadores, as ovelhas perdidas. Não construiu nem guardou nada para si. Agora grita também: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!”. A vida dele doada continua a ser entregue; continua, agora, nas mãos do Pai. Ela foi um dom antes e continua a sê-lo também agora. Estava nas mãos dos homens que o mataram. Agora está nas mãos amorosas do Pai. A morte sela o seu dom total.
Quem é este Deus que se sacrifica por amor? Perde a si mesmo para salvar os outros. Nós deixaríamos os outros se perderem para nos salvarmos. Jesus não; doa tudo. Não guarda para si, nem o rancor contra aqueles que o estão matando. Pede ao Pai que os perdoe porque não sabem o que fazem. Em Jesus que morre, nasce uma nova humanidade, liberta do egoísmo, do ódio, do pecado e da morte. O Cristo crucificado é o homem novo. Revelação de um Deus-Amor que usa o seu poder para servir e não para ser servido, que ama em lugar de dominar, que dá a vida – doando a própria – em lugar de tirá-la. Quem sabe doar sabe também acolher. Assim Jesus pode oferecer esta vida nova também ao ladrão que se lhe entrega. O bem, o amor, a vida doada, são a vida nova, neste mundo e para a eternidade. É o amor que não morre. Vale apena servir com amor e por amor ao Rei do amor. Aqui, agora e sempre.