Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte
As feridas expostas da sociedade mundial, suas pandemias, sinalizam enorme desafio: reconstruir a esperança. Entre as chagas enfrentadas pela civilização contemporânea está um generalizado estado de desolação – falimento da esperança. Contundente é a interrogação que requer urgente resposta: o que se pode esperar? E no desafio inscrito nessa pergunta, outro questionamento é recorrente: em quem confiar? O desafio existencial de se encontrar sentido na vida soma-se ao grave problema de saúde da atualidade, a covid-19. A busca pelo sentido da vida – embora tratado na superficialidade do bem-estar e das futilidades alimentadas pela ganância do dinheiro, da busca mesquinha por conforto – remete todos à questão central da própria existência. Lá, neste ponto de partida e de chegada, está o nascedouro da esperança, o lugar onde cada pessoa encontra os fundamentos para se reconstruir e, ao mesmo tempo, aproximar-se da plenitude.
A humanidade, ancorada em muitos avanços tecnológicos e científicos, admiráveis, mas alheia aos valores humanísticos, revela o seu despreparo para realizar, com a necessária eficiência, sua tarefa primordial – reconstruir a esperança. E reverter esse déficit geral na qualificação humanística exige alcançar a indispensável dimensão da espiritualidade, ainda com tão pouco espaço no conjunto de reflexões e pensamentos sobre a condução do desenvolvimento da sociedade mundial. De modo pontual, aparecem grupos que se referem à espiritualidade e, sem proselitismos, com profundidade transformadora, apresentam práticas que ajudam a cultivar rica cosmovisão, contribuição significativa para construir um mundo melhor.
Mas a essencialidade da espiritualidade ainda não assomou ao seu adequado lugar, mesmo quando se requer a gênese de um novo tempo para a humanidade. E quando se diz que o mundo não poderá ser o mesmo depois da pandemia da convid-19, pensa-se pouco sobre o papel decisivo da espiritualidade. Corre-se o risco de acreditar que basta simplesmente descobrir nova lógica para a economia, sem considerar os equívocos atuais. Ora, essa nova lógica no contexto econômico, para superar o domínio perverso do lucro e da idolatria do dinheiro, que se desdobra em consumo ilimitado e nos hábitos egoístas, na desconsideração dos pobres, requer profunda espiritualidade, eivada de humanismo, mística e sentido de transcendência.
O distanciamento humano da espiritualidade resulta também em graves prejuízos para o meio ambiente. Os recursos naturais são usufruídos de maneira extrativista e depredadora, o que faz crescer a miséria e os desequilíbrios em todo o planeta. Com isso, a humanidade inteira sofre as consequências, a exemplo desta pandemia do coronavírus, que ameaça todos, sem distinção de status social ou nacionalidade. Não se passará a uma nova página da história sem que o mundo vivencie profunda espiritualidade, oportunidade para verdadeira transformação social. Isto exige que a humanidade valorize a experiência da contemplação e da mística, caminhos para a reconstrução da esperança, alicerce de um novo modo de viver.
Importante ressaltar: há um caminho que se camufla de autêntica espiritualidade, e ao invés disso centra-se na vaidade, objetiva exclusivamente a arrecadação e o acúmulo de poder. Manipula até mesmo a Palavra de Deus. A pandemia que a humanidade enfrenta desmascara esses religiosos que difundem conceito equivocado sobre a fé, oferecida por eles como solução mágica para problemas. Incapazes de solucionar uma ameaça real e complexa, se calam, comprovando que, diferentemente de suas promessas, não têm o poder de realizar milagres – Deus não se deixa manipular. Há, ainda, os religiosos que promovem espetacularizações, teatralizações, evidenciando, também, despreparo espiritual e místico. A seu modo, também oferecem soluções mágicas para problemas complexos.
Percebe-se um despreparo geral, fruto da carência de uma espiritualidade profunda capaz de alimentar e reconstruir a verdadeira esperança. Consequentemente, proliferam os que promovem e os que buscam invencionices, bem distantes da riqueza do mistério da fé. Os que se apegam às invencionices ficam ao redor dele, o rodeiam, mas mesmo diante da fonte, acabam por morrer de sede e de fome. Apegam-se à ilusória sensação de que a esperança se reconstrói e se fortalece com certos espetáculos e práticas inoportunas ou descontextualizadas. É preciso retomar a direção de uma qualificada espiritualidade. O primeiro passo é vivenciar a oração, que requer o silêncio, o salutar incômodo de se observar, contemplando a própria interioridade, única garantia para o autêntico encontro com Deus. Uma vivência da oração bem diferente de práticas devocionalistas, que produzem sensações efêmeras e momentaneamente geram certo conforto e bem-estar.
A construção da nova realidade que todos almejam exige longo caminho de aprendizagens, em que o essencial é reconstruir a esperança, alicerçada na espiritualidade daqueles que sabem orar, de verdade, para além de simples ritos ou de palavras. Contemplação e interioridade, pilares fundamentais da fé e da prática cristã autêntica, são imprescindíveis. Possibilitam alcançar nova sabedoria, enxergar os rumos novos exigidos pelos desafios atuais, a partir da vida interior. A verdadeira oração é essencial na reconstrução da esperança.
Todos reconheçam: mesmo que ninguém ouça, ou mesmo quando não se tem alguém com quem falar, Deus sempre está presente. Ele sempre ouve, com Ele pode-se sempre falar. Deus ajuda quando a capacidade humana está esgotada e sem condições para amparar. Mas poucos sabem escutá-Lo. Esperar Nele para superar os desesperos e tornar-se fonte de sabedoria para ajudar a consertar o mundo. A reconstrução da esperança requer a escuta de Deus, como sustento, tocando a interioridade, para qualificá-la, fazendo, de cada pessoa, testemunha fidedigna da esperança, protagonista neste processo de renovação da humanidade.