Declaração – Montevidéu, 1º A 3 de novembro de 2009
Os participantes do IV Encontro da Rede Interreligiosa Latino Americana de Educação para a Paz, sensibilizados com a crise que nossos países atravessam e também conscientes da grave incidência que suas consequências apresentam para o sucesso da verdadeira educação para a paz, desejam compartilhar suas preocupações e esperanças com todas as comunidades educacionais religiosas da América Latina:
- Sentimos que a crise atual é uma expressão dramática da injustiça econômica que exclui os mais necessitados e vulneráveis de nossas sociedades. Esta situação dolorosa vem se arrastando por muitos anos, mas atualmente se encontra em seu ápice e demonstra a fragilidade de nossas sociedades, nas quais os valores legítimos foram trocados pelo enriquecimento fácil e a ostentação sem limites; assim, geraram um crescimento sem precedentes nos índices de desigualdade e pobreza, além de violência política, social, familiar e escolar. Paralelamente, tem agravado problemas que já causavam preocupações como o tráfico de pessoas, a prostituição sob múltiplas formas e a violação de direitos econômicos e sociais fundamentais, assim como a brusca redução de possibilidades educacionais para muitos meninos, meninas, adolescentes e jovens.
- Reafirmamos nossa firme convicção de que enquanto houver injustiça e exclusão para centenas de milhões de nossas irmãs e irmãos na América Latina, a paz, que é um valor essencial de nossa fé e base fundamental de nossos objetivos educacionais, continuará a ser um sonho distante.
- Constatamos que a crise atual não afeta somente a economia e a política, mas também a fé, a ética e a educação. Portanto, a tal crise representa uma prova de fogo para todos os crentes e especialmente para aqueles que tentam educar as novas gerações de acordo com suas respectivas crenças, pois os obriga a questionar a sinceridade de sua solidariedade, a seriedade de seu compromisso e o valor de suas propostas educativas.
- Portanto, pensamos que a crise atual deve ser contemplada e analisada não somente através de uma perspectiva econômica, mas também do ponto de vista antropológico e psicosociológico, e, sobretudo, com uma profunda sensibilidade crente.
- Cremos que é o momento de nos solidarizarmos com os grupos mais fragilizados de nossas sociedades e recuperar valores tão básicos como a preocupação com os pobres, a identificação com os marginalizados e ajudar a fornecer respostas às suas demandas e necessidades a partir de nossas organizações educativas e religiosas.
- Reconhecemos, agradecemos e nos encorajamos com a generosa força de trabalho que milhares de irmãos e irmãs de diversas denominações religiosas vêm fazendo neste campo, para a construção da paz e fortalecimento da esperança por meio de serviços educativos para os mais necessitados.
- Todavia também denunciamos a apatia e a falta de compromisso social daqueles que, dentro de nossas instituições religiosas, se preocupam mais em fazer proselitismo, buscar o poder e promover grupos privilegiados ao invés de prover uma oferta educacional baseada na diversidade e inclusão.
- Confirmamos que hoje, mais do que nunca, devem ser fortalecidos os valores da igualdade, justiça e solidariedade dentro de nossos programas educativos, os quais são comuns a todas as religiões e espiritualidades; tais programas devem permitir que o ensino seja um coadjuvante na formação de programas éticos para nossos educandos com a finalidade de apresentar-lhes uma mudança radical em seus comportamentos religiosos e sociais.
- Da mesma forma, acreditamos que esta mudança deve ir muito mais além, até alcançar uma transformação da mentalidade pessoal, tornando possível a valorização de toda pessoa como irmão e irmã, além de respeitar a Mãe Terra dentro de suas possibilidades e limitações quanto ao uso de seus recursos. Acreditamos que este campo se define hoje: o papel educativo central da família, da escola, da sociedade e das comunidades religiosas.
- Ainda assim, rechaçamos todas as formas de fundamentalismo religioso dentro de nossas entidades educacionais, que não somente deformam as crenças em si e também, de forma incoerente, constituem fatores de desunião e ódio, gerando injustiças e violência.
- Reivindicamos aos governos de nossos países e organismos internacionais o fortalecimento de políticas sociais e econômicas que de fato beneficiem os setores mais desfavorecidos, desde a igualdade até a justiça. Pedimos em particular maiores investimentos na consolidação da escola pública e o apoio a centros educacionais que, independente de administração ou conotação formal ou informal, possam servir aos setores mais abandonados de nossas sociedades.
- Ao mesmo tempo, advogamos a vigência plena do direito à educação de todo ser humano e de os pais escolherem a educação que desejarem para seus filhos, ambos reconhecidos pelos organismos internacionais de direitos humanos, e solicitamos a nossos governos que garantam tais condições e tornem disponíveis os recursos para sua realização.
- Como homens e mulheres de fé totalmente comprometidos com o ser humano e sua realidade, nós acreditamos ser urgente privilegiar a cooperação solidária nas relações internacionais, e proporcionar controles eficientes do sistema financeiro para evitar que continuem os abusos que resultaram na presente crise.
- No campo pessoal, como cidadãos e crentes, nos comprometemos a desafiar a crise atual e, por conseguinte, renunciar ao consumo irracional e não-solidário; viver e ensinar com austeridade; solidarizarmo-nos de maneira efetiva com os marginalizados e excluídos; trabalhar pelo estabelecimento de uma sociedade mais justa e igualitária, além de superar a discriminação sob todas as suas formas e manifestações.
- Com esta mesma perspectiva, nos solidarizarmos plenamente com as reivindicações dos povos indígenas para que sejam respeitadas suas culturas, tradições e opiniões, além de seus direitos como interlocutores em debates sociais, culturais e educativos.
- Convocamos todos para juntos enfrentarmos a crise atual – que esta seja um desafio e uma oportunidade para novos crescimentos e aprendizados – deixando de lado o pessimismo e a negatividade, e vislumbrarmos o futuro como uma esperança firme que nos permitirá eliminar a desigualdade e a injustiça.
- Convocamos todos para que assumam de forma proativa vossas lideranças religiosas e educativas, a fim de construir a nova sociedade que nossas crenças propõem; um novo mundo no qual todos os seres humanos se respeitem e se valorizem entre si e se ajudem a serem felizes.
- Além disso, pedimos que em seus trabalhos pastorais não se reduza a atenção a pessoas e a seus problemas e necessidades, especialmente como resultado da crise que atravessamos; que sejam apresentadas nossas convicções religiosas a respeito do direito ao bem-estar e felicidade de todos.
- Com base nestas convicções religiosas, nos comprometemos firmemente a continuar promovendo também um modelo diferenciado de escola , onde os fundamentos se baseiem na formação de valores e serviços ao ser humano, com a máxima expressão criacionista e centro das ações de Deus no mundo. Além disso, nos orgulhamos de nossos projetos educativos estarem sempre norteados pelo espírito de intercâmbio, da adaptação positiva de novos modelos sociais, tecnológicos e culturais e, sobretudo, de escuta real ao aluno e sua família a partir da pedagogia de confiança.
- Finalmente, reafirmamos nossa vontade de seguir caminhando juntos rumo aos nossos objetivos utópicos, que representam um mundo sem ódio, injustiça e violência, um mundo de irmãos e irmãs no qual Deus nos una e nos convide a acompanhá-lo para completar sua obra de criação.
Montevidéu, 3 de novembro 2009
Tradução do documento original: Sônia Minder