Dom João Justino
Arcebispo de Montes Claros (MG)
O ser humano é um ser ritual. Sua capacidade de pensar, de agir, de amar, de esperar, entre outras, o destaca entre as criaturas, pois é capaz de dar significado aos seus gestos. Toda cultura está permeada de ritos que podem ser elencados segundo as etapas da história pessoal, dos ciclos da natureza, dos eventos políticos, por exemplo. Cada novo ser humano, ao ser introduzido na sua cultura, vai assimilando pelos ritos a história de seu povo, os valores morais e religiosos, o sentido de diferentes pertenças, mas sobretudo a identidade, sua e dos outros. A criança já nos seus primeiros anos de vida aprenderá a diferença entre um gesto de carinho e outro de ofensa. Ela entenderá a diferença entre uma palavra que elogia e uma palavra que agride. Na família e na escola, dois âmbitos de socialização primária de grande importância, os pequenos hão de aprender a importância de ser educado para a vida em sociedade.
Os aprendizados que decorrem de modo natural, isto é, cultural estão permeados de ritualidade. O respeito a qualquer pessoa está associado ao modo de se colocar diante do outro, incluindo posturas, linguagem, vestuário, localidade. Um jeito familiar de se expressar que pode nos ser tão caro, provavelmente não será adequado para relações institucionais. Assim, há ritos próprios para cada situação da vida: para uma audiência, para os funerais, para a conclusão de um itinerário acadêmico, para a celebração de um matrimônio, para o nascimento de um filho, para o encontro entre amigos, para o almoço festivo em família, para a recepção de uma autoridade… são situações que pedirão ritos adequados.
Ocorre que tem havido como que um esquecimento dessa dinâmica cultural, fundamento para respeitosas relações entre as pessoas, condição de escuta do diferente, exercício da convivência num mundo complexo e plural. Há claros sinais de falha na educação para a cidadania. Em muitas situações se diria falta senso de urbanidade, aqui entendida como a qualidade daquele que sabe conviver com civilidade, capaz de relacionar-se com as mais diferentes expressões da pessoa nas variadas situações do cotidiano. Não se trata de defender aqui uma formalidade impessoal que retire as energias criativas ou destrua a beleza da espontaneidade. Ao contrário, trata-se do delicado exercício da inteligência capaz de suscitar, pela palavra e postura decentes, interpelações para desencadear processos de integração entre as pessoas.
Urge redescobrir a ritualidade. E quem poderá contribuir para isso? Certamente todo aquele que acredita que cada pessoa é merecedora de um tratamento respeitoso e digno. Pais e mães muito contribuirão ao educar seus filhos não exclusivamente para serem prósperos, mas também para tornarem a sociedade um lugar mais humano e aprazível na convivência. Todos os que ocupam algum espaço para o exercício da palavra haverão de contribuir sobremaneira por meio de uma linguagem edificante.
No entanto, é necessário que cessem os muitos maus exemplos a que temos assistido de autoridades públicas grosseiras e mal-educadas que desonram sua função desprezando a principal ritualidade a que todos devemos nos ater: o respeito a toda e qualquer pessoa.