Quando se desenha uma planta, é preciso antes situar o terreno. Quando se levanta vôo a destino longínquo, é preciso ter presente as coordenadas, para garantir o rumo certo.
Assim acontece com a Conferência de Aparecida. A partir dela a Igreja na América Latina e no Caribe pretende empreender uma nova caminhada, que a leve ao encontro da missão que Deus lhe confia num tempo que aponta para rumos tão diferentes.
Aparecida necessita se guiar por grandes referências.
A primeira delas é o Concílio Vaticano II. A Conferência de Aparecida precisa demonstrar uma lúcida e decidida retomada das grandes inspirações do Concílio. Foi ele que traçou para a Igreja os rumos para a sua renovação.
O grande objetivo do Concílio, na insistência de João 23, foi a renovação da Igreja. De acordo com a palavra dinâmica que ele usava, o “aggiornamento”, acenando para o conjunto de providências que deveriam ser tomadas, para a Igreja ao mesmo tempo se identificar com o Evangelho e se adaptar aos tempos de hoje. Para isto devia voltar às fontes e se guiar pela realidade de hoje. Esta dupla atenção retorna agora em Aparecida, para que o espírito do Concílio seja retomado.
Do Concílio decorre outra referência. E’ Medellin. Não que as demais “conferências gerais” não tenham sido importantes. Mas foi em Medellin que a Igreja da América Latina fez o que as Igrejas de outros continentes não fizeram: a acolhida orgânica e colegial do Concílio. Por isto, Medellin serve de inspiração especial para Aparecida. É preciso fazer uma segunda acolhida do Concílio, mais realista, madura, consciente dos impasses que precisam ser superados.
Mas o momento é tão importante, que Aparecida precisa de referências mais fundamentais: a Igreja Primitiva e o próprio Evangelho de Jesus.
O livro dos Atos dos Apóstolos é particularmente significativo. Ele descreve como a Igreja de Jesus foi se implantando, seja no contexto de Israel como no ambiente do império romano. Duas realidades que ajudam a compreender as tensões que fazem parte do caminhar da Igreja, e a convidam a recorrer aos grandes princípios para serem superadas.
A Igreja Primitiva oferece preciosas lições. A mais ampla é, certamente, a abertura dos primeiros cristãos para o império romano, fruto de generoso empreendimento missionário, que trouxe como conseqüência a notável inculturação da fé, acolhendo muitos elementos da cultura e religiosidade pagãs, integrando-os na vivência cristã. Aparecida acena com um novo impulso missionário. Os Atos nos advertem que não se faz verdadeira missão sem inculturação.
Outro exemplo que a Igreja Primitiva nos dá é o respeito pelas decisões tomadas em conjunto. O chamado “Concílio de Jerusalém”, foi aceito e aplicado rigorosamente tanto por Paulo e Barnabé, como pela Igreja de Jerusalém. Hoje se diria, tanto pelos progressistas como pelos tradicionalistas. Não foi isto que aconteceu com o Vaticano II. Faltou a adesão concorde de todos, para fazer dele o programa comum de renovação da Igreja, sem solapar suas decisões mais estratégicas, neutralizando sua eficácia.
Mas a referência mais fundamental de Aparecida deverá ser o próprio Evangelho. Hoje a Igreja vive uma tal encruzilhada, que só poderá encontrar o rumo certo confrontando-se abertamente com o Evangelho de Jesus, recuperando sua originalidade e radicalidade.
Nada disto precisa estar escrito no documento final de Aparecida. Quando entramos num estádio, não precisamos olhar para o sistema de iluminação. Basta ver o espetáculo. O que importa é fazer o que as referências iluminam.