Ninguém, que saiba refletir sobre a vida humana, seus relacionamentos e suas exigências, ignora que o que entrelaça a existência e lhe dá sentido é o amor. É o que impulsiona a criatura humana para buscar sempre seu bem-estar e sua felicidade. Difícil descrevê-lo, por misterioso que é, mas é o que impulsiona a vida e lhe dá sentido. A própria Escritura sacra define Deus como o Amor (1º Jo 4, 8).
O grande pregador Padre Antonio Vieira, cujos sermões em nossa língua são de beleza indescritível, deixou lindas e profundas reflexões sobre o amor divino e o amor humano. Lembra porém que o amor pode ser destruído por muitos perigos que ele chama de “remédios” que podem curar o amor. E diz que Cristo evitou estes perigos dando-nos sua presença eucarística para não sofrer o resfriamento que a distância poderia causar. Profunda reflexão.
O que, em primeiro lugar, pode esfriar e até destruir o amor, diz o Padre Vieira, é o tempo que “tudo gasta, tudo digere, tudo acaba”. Compara ele o afeto amoroso com a vida. Quanto mais longa for, é certo de passar a durar menos. É a motivação que levava os antigos, na sua sabedoria que o tempo ensina, a pintar o amor como se fôra um menino, “porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho”. Com o correr do tempo o amor cria asas, com que voa e foge.
Mas isto acontece quando, quem ama, não toma os necessários cuidados de fazer de cada dia o primeiro dia.
Santo Agostinho, um dos sábios da antiguidade, adverte-nos, que o amor – se verdadeiro – tem de ser eterno, porque se vier a desaparecer, nunca de fato foi amor. Em tudo mais na vida, quando desaparece, prova que existiu. Só com o amor se dá o contrário: se deixa de ser, é certo que nunca foi. Se desaparecer, esfria e morre. Se fôra, nunca deixara de ser…
Esta é a razão pela qual, quando terminava uma ordenação sacerdotal, das muitas que tive a alegria de realizar como bispo, sempre recomendava ao jovem sacerdote que fizesse de cada dia de seu ministério, sempre o primeiro dia. O mesmo vale para o casal. Já que não existe casal infeliz no dia do casamento.
Por certo é o que levou o evangelista São João a registrar que o amor de Cristo por nós, tanto ao instituir a Eucaristia, como a dar-nos a redenção na cruz, foi permanente, isto é, até o fim. Ou melhor: até depois do fim… Nem vale querer justificar o fim do amor por motivos que pareçam razoáveis. É só lembrar a sábia advertência de Camões: “É tanto mais o amor depois que amais / quanto são mais as causas de ser menos”.