Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
A comunicação humana, desde os tempos antigos até os dias atuais, tem sido uma das principais formas de interação social. Contudo, ela também pode se transformar em um terreno fértil para conflitos e disseminação de ódio, especialmente quando utilizada de forma maliciosa. Santo Tomás de Aquino aborda, na Suma Teológica, dois comportamentos relacionados ao uso inadequado da palavra que merecem nossa atenção: a “detração” e o “sussurro”, analisados em profundidade no tratado sobre a justiça, nas Questões 73 e 74.
Santo Tomás entende a “detração” como o ato de prejudicar a reputação de alguém por meio de palavras, geralmente ditas em segredo ou na ausência da pessoa. Esse pecado tem como objetivo manchar a boa fama do outro, causando-lhe prejuízo perante os demais. O detrator pode agir de diversas formas, seja atribuindo falsidades à pessoa, seja insinuando algo que comprometa sua honra. Essas atitudes são especialmente graves porque, como destaca Santo Tomás, a boa reputação é um bem valioso. Sua perda pode privar a pessoa de oportunidades de fazer o bem e de participar plenamente da vida social.
O “sussurro”, embora parecido com a “detração”, é um pecado distinto e igualmente pernicioso. Santo Tomás define o sussurro como a prática de falar mal de alguém com o propósito de criar discórdia entre amigos ou conhecidos. Enquanto o detrator visa destruir a reputação pública, o sussurrador busca semear desconfiança e inimizade entre indivíduos que estão em paz.
O sussurro é particularmente destrutivo porque ataca o vínculo de amizade, um bem precioso na vida humana. A Escritura nos lembra que “nada se pode comparar com um amigo fiel” (Eclesiástico 6,15), e é justamente esse laço que o sussurrador tenta romper. Exemplo de sussurro seria contar a uma pessoa algo negativo (ou até mesmo verdadeiro) sobre outra, mas com a intenção de causar mal-entendido e rompimento da relação entre elas.
Santo Tomás também analisa qual desses pecados é mais grave. Embora a detração, que mancha a reputação de uma pessoa, possa parecer inicialmente mais prejudicial, ele considera o sussurro ainda mais sério em muitos casos. Isso se deve ao fato de que o sussurro destrói diretamente a amizade, um bem mais valioso que a própria reputação. Um amigo verdadeiro é um tesouro insubstituível, e quem rompe essa amizade viola o mandamento do amor ao próximo. Enquanto a detração pode afastar várias pessoas, o sussurro tem como alvo a destruição de uma amizade específica, tornando o mal mais pessoal e íntimo. Para Santo Tomás, embora ambos os pecados sejam graves, o sussurro é frequentemente pior por seu objetivo de semear inimizade. O detrator pode agir por inveja ou rivalidade, mas o sussurrador busca deliberadamente causar divisão e discórdia, agindo como um “agente do caos” nas relações humanas.
O estudo de Santo Tomás sobre a detração e o sussurro é extremamente atual. Em uma era em que as redes sociais e os meios de comunicação facilitam a disseminação de informações (e desinformações) em larga escala, é fácil perceber como esses pecados podem se manifestar. Comentários maliciosos, fofocas e rumores podem destruir reputações em minutos. Amizades e relacionamentos são colocados à prova por palavras ditas com a intenção de semear desconfiança.
A reflexão sobre a detração e o sussurro nos desafia a examinar cuidadosamente como usamos nossas palavras e o impacto que elas têm na vida dos outros. Precisamos ser cuidadosos tanto no que dizemos quanto no que ouvimos e como reagimos. Resistir à tentação de participar dessas práticas é um desafio moral constante. Em um mundo cada vez mais conectado, o chamado de Santo Tomás à caridade e à verdade é essencial. Que sejamos vigilantes, evitando esses pecados e cultivando palavras que promovam o bem, a paz e a edificação mútua.