Dom Eduardo Benes
Arcebispo de Sorocaba (SP)

Os debates que precederam a votação do segundo turno das eleições presidenciais não aprofundaram a reflexão sobre questões fundamentais da vida social e política do País. Não enfrentaram também questões cujo debate pudesse significar perda de votos, como por ex., o retorno da CPMF ou algo equivalente, que agora volta como se fosse apenas interesse de governadores. Em artigo, por mim publicado na imprensa local, levantei algumas questões referentes ao papel do Estado no que diz respeito à vida da sociedade em vários de seus aspectos.

O ponto de partida do artigo tinha a ver com o fim da guerra fria quando ideologias diametralmente opostas disputavam o controle do mundo. “A queda do muro de Berlim com o desmoronamento do comunismo na Rússia e adjacências revelou sua ineficácia econômica e a natureza perversa do Estado totalitário, que havia criado uma nova classe, a classe dos burocratas ricos e ineficientes, no entendimento do escritor iugoslavo revisionista, Milovan Djilas (Escreveu “A Nova Classe” em 1957). Por coibir a iniciativa particular o comunismo se revelou ineficiente no empenho de produzir e destruiu a participação na esfera política. O fim da era comunista foi saudado por muitos como o fim da história, ou seja, a forma perfeita e insuperável de organização da sociedade seria definitivamente a liberal.

Alguns chegaram até mesmo a preconizar o fim do Estado, como instância ordenadora da vida social. A China, por sua vez, importou, para alavancar seu desenvolvimento, o espírito e a forma empreendedora do capitalismo na economia, terceirizando a atividade econômica e mantendo o controle político da sociedade. E fica a pergunta: entre este tipo de Estado e o Estado totalitário de direita, qual a diferença? Por outro lado a recente crise econômico-financeira que abalou o mundo está a indicar que uma ordem econômica largada a si mesma gera o caos. Sobre isso adverte-nos Bento XVI em sua encíclica “Caritas in Veritate: “A economia integrada dos nossos dias não elimina a função dos Estados, antes obriga os governos a uma colaboração recíproca mais intensa. Razões de sabedoria e prudência sugerem que não se proclame depressa demais o fim do Estado; relativamente à solução da crise atual, a sua função parece destinada a crescer, readquirindo muitas das suas competências.” Donde a necessidade da presença do Estado para garantir uma justa ordem econômica e social no interior de cada nação e de uma instância supranacional com mais poder, representativa da comunidade das nações, para orientar e propor normas que regulem as relações entre elas.

Sob o título de “Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática”, a CNBB publicou um breve estudo onde avalia a crise política atual e propõe saídas para a mesma. (Doc. 81). Na impossibilidade de apresentar uma síntese significativa do documento, transcrevo algumas afirmações com o objetivo de estimular o leitor ao estudo do documento. Citando Bento XVI: “Atualmente, o Estado encontra-se na situação de ter de enfrentar as limitações que são impostas à sua soberania pelo novo contexto econômico comercial e financeiro internacional, caracterizado nomeadamente por uma crescente mobilidade dos capitais financeiros e dos meios de produção materiais e imateriais. Este novo contexto alterou o poder político dos Estados” (Caritas in Veritate,n. 21).

Ainda: é necessária “uma renovada avaliação do seu papel e poder (do Estado), que deverão ser sapientemente reconsiderados e reavaliados para se tornarem capazes, inclusive através de novas modalidades de exercício, de fazer frente aos desafios do mundo atual. Com uma função melhor calibrada dos poderes públicos, é previsível que sejam reforçadas as novas formas de participação na política nacional e internacional que se realizam através da ação das organizações operantes na sociedade civil; nesta linha, é desejável que cresçam uma atenção e uma participação mais sentidas na res publica por parte dos cidadãos”(idem  n. 24).

A proposta é que se passe de uma democracia simplesmente representativa para uma democracia participativa, onde o cidadão não seja mero eleitor, mas onde os vários sujeitos sociais acompanhem a atuação de seus representantes e exerçam real influência nas decisões a serem tomadas. Mas isto só será possível com uma boa reforma política. É lamentável que, mal finalizada a eleição para a Presidência da República, tenhamos que escutar expressões como esta: “loteamento de cargos”. Por que se multiplicam os partidos? Precisamos de um Estado suficientemente estruturado que se coloque a serviço da sociedade, mais explicitamente da justiça social. É urgente, afirma o documento em pauta, “promover uma firme mobilização pelas reformas políticas que abram caminho pra uma profunda reforma do Estado Brasileiro” (n. 110).

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