Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)

 

Aproximam-se os dias da “80ª Romaria da Medianeira de Todas as Graças”, maior evento da cidade de Santa Maria e do Estado do Rio Grande o Sul. Anualmente, centenas de milhares de devotos caminham até o Santuário – Basílica para repetir o gesto de agradecer, pedir e louvar a Mãe de Deus pelos benefícios que diariamente recebem de sua materna assistência. Toda essa expressão de piedade popular merece reflexão e reverência. O peregrino sabe que a caminhada é, antes de tudo, uma realidade interior que tende ao Absoluto. Caminhar é uma categoria espiritual. Na caminhada exterior, o ser humano quer encontrar-se consigo mesmo.

O fundamento da prática de peregrinar aos santuários cristãos encontra-se na fé judaica que, há muito tempo, tem como meta Jerusalém. Ela é a cidade-templo. Os árabes a chamam de a “Santa”. O salmo 102 a canta dizendo: “Aos teus servos são estimadas  as pedras de Sião.” Famosos são os versos do salmo 122 que proclamam: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa de Javé! Nossos passos já se detêm junto aos teus umbrais, Jerusalém!” (vv. 1-3). O salmo é um hino à Jerusalém, cantado pelos peregrinos que se dirigiam à cidade para as festas. Reflete a alegria de caminhar e fundamenta a própria vocação da humanidade: reunir-se para partilhar a liberdade e a vida. A cidade santa de Jerusalém é o lugar sonhado por todo israelita. Ela recebe a abundância de bênçãos e as distribui a todos os seus filhos. Andar em Jerusalém é como entrar no abraço de Deus e sentir o palpitar de seu coração.

A peregrinação está intimamente ligada ao sentido da conversão. Quem procura o santuário caminha em direção à vida nova que só Deus pode oferecer. As curas corporais acontecem, mas são excepcionais e raras nos locais de peregrinação. O que mais se percebe são as curas do coração, oferecidas a todos; cada um as recebe em seu nível e conforme sua necessidade.

A vida cristã é feita de sucessivas conversões. A primeira é a do Batismo. As outras acontecem ao longo da existência. Se, por um lado, é possível constatar e se admirar dos milagres de curas físicas, dificilmente se contabilizarão as curas interiores, que são numerosas, e essas últimas são fundamentais nas intenções de Deus. A peregrinação estabelece uma meta que simboliza e atualiza o caminho humano rumo ao fim sobrenatural. Partir significa romper com a inércia habitual, é dispor-se a avançar, a crescer e a conhecer o novo. Deixar a própria casa é abandonar atitudes rotineiras, por vezes medíocres, dispondo-se ao futuro de Deus.

 O evento Romaria da Medianeira, em Santa Maria, adquire um significado singular pela participação de milhares de fiéis na procissão do segundo domingo de novembro. Ninguém pede ou promove esse gesto, ele é espontâneo, nasce do coração das pessoas e do seu carinho pela Mãe de Jesus: “Essa religiosidade não tem dono, nem chefe, nem regras definidas. Quem a cria, solta-a no mundo. O povo a divulga, o povo a modifica. As devoções populares à Maria, como o terço, as novenas, as promessas, as fórmulas de consagração e as romarias são manifestações do coração; não se movem pelas leis, mas pelo desejo de sintonizar com Maria, do jeito que o povo sabe e pode.” (CNBB, 1998, p. 22).

 

 

 

 

 

 

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