Celebramos nesta semana, no dia quatorze de julho, a memória litúrgica de São Camilo de Lélis, presbítero, fundador dos Ministros dos Enfermos. São Camilo nasceu no ano 1550 em Bucchianico, nos Abruzzos, na Itália, filho de mãe de idade avançada quando o concebeu. O pai, a serviço das armas, vivia mais nos acampamentos e campos de batalha do que no lar. Camilo, com a morte da mãe, entregou-se desvairadamente ao jogo, perdendo tudo o que tinha. Seguindo os passos do pai, foi alistar-se no exército, onde aprendeu as virtudes e os vícios dos soldados.
A fome e a miséria, e, sobretudo, a supuração de sua chaga, fizeram-no desistir da carreira militar. Tocado pelo exemplo de dois franciscanos, com sua modéstia e doçura, Camilo fez voto de ser um deles. Mas por causa da chaga, não foi recebido. Acabou indo para Roma, sendo recebido no Hospital dos Incuráveis, como enfermeiro, para curar a perna e ganhar algum dinheiro. Mas a paixão pelo jogo o perseguia, e ele fugia do hospital para ir atrás das cartas. Como incorrigível, foi expulso do hospital. Buscando a vida religiosa e sendo que algumas portas se fecharam para o seu propósito, Camilo foi recebido pelos capuchinhos. O superior do convento, notando nele algo de especial, falou-lhe de Deus e da vocação religiosa. Camilo, tocado pela graça, converteu-se, sendo recebido como postulante. Quando passava pela vila, conduzindo duas mulas do convento, a criançada corria atrás dele gritando: “Aí vem o São Cristóvão, aí vem o São Cristóvão!”, devido à sua elevada estatura. Não era desígnio de Deus que ele permanecesse entre os franciscanos. A úlcera reapareceu em sua perna e eles, pesarosos, o despediram. Voltou para a Cidade Eterna, onde permaneceu durante quatro anos até a úlcera ser curada. Julgou então seu dever voltar para os franciscanos, apesar de seu confessor, São Felipe Néri, o ter desaconselhado, predizendo que a chaga se reabriria. Foi o que aconteceu, tendo Camilo que voltar ao hospital. Ali, dedicou-se a cuidar dos enfermos, chegando a ser nomeado administrador geral do hospital. Certo dia, olhando para o Crucifixo enquanto cuidava dos doentes, exclamou: “Ah! Seria necessário aqui homens que não fossem conduzidos pelo amor ao dinheiro, mas pelo amor de Nosso Senhor; que fossem verdadeiras mães para esses pobres doentes, e não mercenários. Mas, onde encontrar tais homens?”. Começou então a ruminar o pensamento da fundação de uma Ordem religiosa para essa finalidade. Logo se lhe juntaram mais quatro discípulos, com os quais ele se reunia para rezarem e meditarem juntos e depois cuidarem dos enfermos. Era o núcleo de sua futura congregação. Nas mil e uma dificuldades que surgiram para a consecução desse fim, ele sempre encontrava consolo em Nosso Senhor crucificado, que lhe dizia: “Não temas nada, eu estarei contigo”. Camilo terminou seus estudos e foi ordenado sacerdote, rezando sua primeira Missa em 10 de junho de 1584. Os Ministros dos Enfermos, como eram chamados seus filhos espirituais, aos poucos foram abrangendo outras obras de caridade. Camilo quis que eles servissem também aos doentes atacados pela peste, aos prisioneiros, aos feridos em campos de batalha e aos que estivessem morrendo em suas próprias casas.
Muitos podem se questionar por que na semana em que se comemora São Bento de Núrsia, fundador do monaquismo oriental, portanto, patricarca de minha congregação religiosa, estou a partilhar o itinerário espiritual de São Camilo de Lélis? A resposta é provocadora: vivemos num momento em que a saúde de nossos irmãos está relegada a ver ainda mais os seus hospitais filantrópicos fecharem as suas portas se houver mudanças que prejudiquem a ação filantrópica das Santas Casas e dos Hospitais católicos que, no Brasil, respondem hoje por um terço do atendimento à nossa população mais carente e desprovida de planos de saúde.
Estamos envolvidos na valorização dos hospitais filantrópicos, como as Misericórdias e os hospitais das congregações e dioceses, que se colocam como locais da ação sanitária em favor dos mais desfavorecidos. Na bonita estrada percorrida pelos ensinamentos de Jesus Cristo, Médico Divino, alguns dos santos da caridade e da hospitalidade, como São Camilo de Lellis, São João de Deus, São Vicente de Paulo, deram vida a casas de internamento e de cura, antecipando os que se tornaram hospitais modernos. Desta forma, a rede das instituições sócio-sanitárias católicas foi-se constituindo como resposta de solidariedade e de caridade da Igreja ao mandamento do Senhor, que convidou os Doze a anunciar o reino de Deus e a curar os enfermos (cf. Lc 9, 6).
A Campanha da Fraternidade de 2012 estará debatendo o tema da Saúde Pública, porém, não podemos esperar até lá para lançar esses questionamentos à nossa sociedade. Assistimos ultimamente a muitas leis injustas sendo aprovadas e prejudicando as pessoas e a sociedade. Quando faltam verdadeiros valores da antropologia humana caímos em uma vala que nos conduz à desvalorização da pessoa humana.
Na valorização do trabalho dos hospitais católicos devemos compreender profundamente a identidade destas instituições de saúde. Nessa perspectiva é preciso ir ao centro daquilo que constitui a Igreja, onde a lei suprema é o amor. As instituições católicas da saúde tornam-se, assim, testemunho privilegiado da caridade do Bom Samaritano porque, ao curar os doentes, cumprimos a vontade do Senhor e contribuímos para a realização do Reino de Deus. Desta forma, elas exprimem a sua verdadeira identidade eclesial. É, portanto, um dever considerar de novo, deste ponto de vista, “o papel dos hospitais, das clínicas e das casas de saúde: que a sua verdadeira identidade não consiste apenas em serem estruturas onde se cuida dos enfermos e doentes terminais, mas, e primariamente, ambientes nos quais o sofrimento, a dor e a morte sejam reconhecidos e interpretados no seu significado humano e especificamente cristão. De modo especial, tal identidade católica deve manifestar-se clara e eficientemente nas instituições dependentes de religiosos ou, de alguma maneira, ligadas à Igreja” (cf. Carta Encíclica Evangelium vitae, 88). Um ponto fundamental também é a identidade católica e a necessidade da manutenção dos símbolos católicos em nossos hospitais, particularmente os hospitais dos grandes centros, que são centros, hoje, de anúncio da misericórdia do Ressuscitado.
Por isso, faço um ingente apelo às autoridades governamentais para que continuem sendo parceiras privilegiadas do sumo bem que desenvolve os hospitais confessionais filantrópicos em favor da população menos favorecida. Que estes hospitais possam continuar dando o seu contributo em favor da vida e desempenhando a sua missão caritativa para que nossos preferidos de Deus possam continuar contando com esta rede de saúde e de solidariedade viva que é a presença de Deus aonde não chega a ação do Estado. Que São Camilo de Lélis seja o grande exemplo de dedicação voluntária e cristã neste tempo de tantos interesses econômicos, e assim nos ajude a encontrar caminhos justos na verdadeira promoção da filantropia, particularmente aquela desenvolvida pelas instituições católicas de saúde.