Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)

Alguém já disse que a palavra saudade não tem tradução adequada em outras línguas. Saudade é muito mais do que nostalgia, melancolia ou outras palavras. Nós brasileiros nos sentimos muito bem e temos a alegria de encontrar-nos diante de textos da Escritura que nos reforçam na caminhada, tantas vezes custosa, da volta para Deus, motivados pela saudade da casa do Pai. Começamos com a grande saudade que ele mesmo plantou em nosso coração, sentimento humano com raízes no Céu, para darmos os passos necessários, ajudados pela força da Palavra de Deus. O Evangelista São Lucas nos oferece as parábolas da misericórdia (Lc 15, 1-32). A primeira delas mostra o pastor que valoriza um por cento de sua propriedade, mas se alegra com gozo incontido, como se a ovelha valesse muito mais do que uma cria do rebanho. Esta ovelha é o pecador que retorna e o Céu faz festa. A mulher que perdeu um décimo de seus haveres é a segunda comparação. Parece pouco, mas ela é pobre. A alegria é tanta que também os anjos se alegram com o dom precioso, o pecador que se converte. E da ovelha e a moeda, Jesus chega a um filho e passa a revelar o Pai Misericordioso, o Evangelho do IV Domingo da Quaresma, chamado Domingo da Alegria (Cf. Bíblia do Peregrino, comentário ao capítulo 15 do Evangelho de São Lucas).

Ouçamos o convite da Igreja: “Alegra-te Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações” (Is 66, 10-11). Desejamos percorrer o caminho para “matar a saudade”, aquela mais profunda e verdadeira, saudade de Deus!

         Senhor, desejamos conversar contigo, com a ajuda dos personagens da Parábola do Pai Misericordioso, seu filho gastador e o filho mais velho. Todos nós, jovens ou menos jovens, temos recordações de aventuras feias ou bonitas de nossa adolescência e juventude. Queremos trazer diante de teus olhos nossos desejos de independência, até chegar a um desterro voluntário, buscando a liberdade, uma libertinagem que levou tantas pessoas à miséria, porque “bêbados e comilões se arruinarão” (Pr 23, 21).  Sabemos que fome e miséria não são castigos que vêm de fora, mas consequências de nossas escolhas e das escolhas da própria humanidade.

         Desejamos viajar bem longe, lá dentro do coração daqueles irmãos e irmãs que partiram, muitas vezes machucados pela vida, no desemprego, na fome e no abandono. Dá-nos a graça de passar pelas nossas cidades e incomodar-nos positivamente com o sofrimento dos que estão em situação de rua, indo além da tristeza que tais situações nos causam, para descobrir em nós e nos outros as raízes dos problemas sociais. Queremos identificar-nos com as multidões de jovens, adultos e crianças, que neste período tiveram que fugir de sua pátria, filhos que não podem ser gastadores e pródigos, mas constrangidos a sair pelas estradas, e podem estar comendo restos como nossos irmãos bem próximos, aqueles que a Fraternidade “O Caminho” chama de “Filhos Prediletos”.  Concede-nos, Senhor, a graça de superar os julgamentos em relação a qualquer pessoa que nos pareça desviada da estrada, pois só tu sabes por quais atalhos tiveram que escapar!

         Sabemos, Senhor, que o sofrimento e as necessidades fizeram o filho da parábola pensar em voltar. Começa com interesse próprio: “Então caiu em si e disse: “Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome” (Lc 15, 17). Era como dizer: “Naquele tempo eu era bem mais feliz que agora” (Os 2, 9). Em sua mente, e nós com ele, já se impõe a pena mais dura, perder os direitos de filho! Nós te pedimos que o Espírito Santo penetre no mais profundo de nossos distanciamentos, para purificar os nossos interesses e intenções. Que ele nos faça entender que o pecado vai contra ti. Assim purificados, junto com ele, façamos o caminho de volta para a casa do pai (Lc 15, 20). Pé na estrada! Nesta Quaresma, nós te pedimos a graça de retomar o caminho para a casa do Pai Misericordioso. Queremos ter a coragem de uma revisão de vida sincera. Buscaremos o tribunal do Sacramento da Penitência, sabendo que nele a sentença é sempre o perdão!

         Ao chegar à casa do Pai, o jovem não encontrou uma cara fechada, ou uma sentença de juiz, mas o afeto paternal. Com ele, Senhor, desejamos redescobrir o amor misericordioso. Sabemos que “as entranhas de Deus se comovem e tu cedes à compaixão” (Jr 31, 20). Vem, Senhor, com teu abraço, correndo ao encontro de todos os filhos extraviados, perdidos, sujos, cansados e machucados, vem dar nome de filho a todos nós que nos sentimos tocados pelo abraço. Vem revestir todos os pecadores com a veste nova. Põe nos dedos de todos os que se afastaram de teu amor o anel da aliança restaurada. Nosso mundo e os filhos da Igreja andam feridos pelos caminhos da história. Há muito sofrimento entre nós, daquelas feridas que só um divino coração apaixonado pela miséria humana pode sanar! Dá-nos a graça de refazer o caminho da conversão, dá-nos passos ágeis para correr ao teu encontro!

         Uma vida nova merece ser festejada. “O pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. Colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o, para comermos e festejarmos. Pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa” (Lc 15, 22-24). Aqui, Senhor, queremos entrar na intimidade dos planos eternos da Trindade Santa. Sabemos que és Pai Misericordioso, és Espírito Santificador e és o Filho amado, oferecido em sacrifício. A festa pascal já se antevê, pois sabemos que o mistério que nos envolve tem sabor de Céu e de eternidade. Sabemos que a alegria por ti desejada e planejada para a humanidade começa na festa do lado de cá para chegar à plenitude do Paraíso, cuja porta és tu, Senhor Jesus.

         Senhor, a “rainha das parábolas” que tu recolheste de nossas histórias nos permite participar da festa, mesmo se tantas vezes fomos parecidos com o filho mais velho, que não aceita que “és compassivo e clemente, paciente e misericordioso” (Jn 4, 2). Pedimos confiantes que a Paternidade do Eterno Pai nos convença a cada dia que ela mesma gera a fraternidade! Abre nossos olhos para entendermos o caminho percorrido pelos outros irmãos e irmãs! Que sejamos pacientes com os processos percorridos pelos outros. Faze-nos voz orante em favor daqueles que são filhos e nossos irmãos, mesmo quando nos custa muito reconhecê-los. Assim, a festa será completa, agora e na eternidade!

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