Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
O rabino Shemuel andava pelas ruas de Roma, quando a imperatriz perdeu um bracelete. Ele o encontrou. Antes que pudesse devolvê-lo, um arauto percorria a cidade anunciando:
– Quem devolver o bracelete dentro de um prazo de trinta dias receberá uma recompensa; mas se depois de trinta dias ele for encontrado com alguém, tal pessoa será decapitada!
– O rabino Shemuel não devolveu o bracelete dentro do prazo de trinta dias. Na verdade só o fez quando os trinta dias se passaram. Então, a imperatriz perguntou-lhe:
– Você não estava na cidade?
Ele respondeu: Sim.
– E não ouviu o proclama do arauto?
– Sim, respondeu, ouvi.
– E por que, então, não o devolveu no prazo de trinta dias?
Ele explicou: porque não devia devolvê-lo por temê-la, e sim por temer a Deus.
Então a imperatriz disse: Seja louvado o Deus dos hebreus!
Mais uma pequena história tirada da “Sabedoria Judaica”. Um exemplo de honestidade e de coragem ao mesmo tempo. Com efeito, devemos ser sinceros e firmes nos nossos princípios morais e na nossa fé, não por medo ou por interesse, mas simplesmente porque acreditamos, verdadeiramente, neles. Esses princípios tornam-se assim o guia da nossa vida em qualquer momento, lugar, circunstância ou acontecimento. Fácil entender que se mudarmos os nossos “princípios” conforme a conveniência ou a vantagem, estes acabam perdendo todo o seu valor e a nossa vida vira, no mínimo, uma grande incoerência e confusão. Talvez seja isso que as pessoas querem dizer quando falam de alguém que “tem cabeça feita”. Simplesmente é uma pessoa que toma decisões conscientes e responsáveis e assume as conseqüências de suas decisões. Ou seja: não muda a qualquer vento da moda, do sucesso ou do fracasso. Continua fiel aos seus princípios éticos e à sua fé; não negocia a verdade e o bem nos quais acredita, mesmo quando passa por momentos difíceis, de provação e de escondimento. Exatamente o contrário do que acontece com aqueles que mudam, rapidamente, de casaco para poder ficar sempre com a camisa igual àquela do “patrão” da vez.
Quando Jesus falava aos seus discípulos que eles eram o sal da terra e a luz do mundo, falava de coisa séria. O sal para dar gosto à comida deve ser sempre sal; se perde o seu gosto, não serve mais para nada. Também a luz; só clareia se resplandece. Uma luz apagada- ou escondida – deixa de ser luz. Nesse sentido, é fácil entender que, como cristãos, temos a obrigação de contribuir para dar gosto e sentido à vida de todos, assim como devemos ser pequenas luzes espalhando esperança, alegria e paz ao nosso redor. Será a nossa maneira de agir, de falar e até de agüentar as provações da vida que farão de nós sal e luz para as pessoas. No entanto, ser alguém que, com paciência e perseverança, se torna referência para outros não é nem simples, nem fácil. Antes de mais nada, porque poderíamos pensar de sermos nós os donos do sabor e da luz, distribuindo orgulhosamente o pouco que conseguimos juntar. Na realidade, todo cristão só pode brilhar se procura ser, ao menos, um pequeno reflexo da luz infinita de Deus; e só pode partilhar um pouco do sentido da vida se continuamente se abastece com o amor e a força que vem da comunhão com o Senhor. Sem o constante reencontro com Deus, na escuta e na oração, os nossos minguados recursos acabam logo. Perdemos luz e sabor.
Talvez seja isso que cada vez mais precisamos entender. Ficamos muito preocupados em querer dar conselhos e bom exemplo aos outros. Com muita disponibilidade e generosidade organizamos muitas atividades para os outros. Ótimo. São todos sinais de vitalidade e de disposição. Contudo devemos nos perguntar: quando nós mesmos pensamos em nos “abastecer”? Ninguém dá o que não tem – traduzindo o velho provérbio latim. Não podemos pensar em somente dar, precisamos também, antes, experimentar e vivenciar o que podemos oferecer. Precisamos saber quando, como e, sobretudo, por que oferecê-lo. De outra forma, é arriscado o sal perder o sabor e a luz se apagar. Ou pensar que o sal e a luz que temos para doar – o Evangelho de Jesus, por exemplo – não sirvam mais para nada e que seria melhor mesmo jogá-los fora. Se o Senhor Jesus não é principalmente luz para nós, como podemos pensar em convencer outros a se deixar iluminar por essa luz?
Os Círculos Bíblicos estão recomeçando em nossas casas. Vamos aproveitar para realimentar a nossa fé e reavivar o gosto de sermos católicos, antes que a nossa luz se apague de vez. Será bom para nós e para tantos outros que podemos convidar.