Secretário da CNBB fala sobre a Campanha da Fraternidade

Faltando poucos dias para a abertura da Campanha da Fraternidade (CF), o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, em entrevista exclusiva à Assessoria de Imprensa da CNBB, explica os objetivos desta Campanha que convoca a sociedade brasileira a debater o tema da Segurança Pública. Fala da indústria da violência e do medo, além de apontar as ações práticas em favor de uma cultura de paz. Dom Dimas explica, ainda, o processo de escolha dos temas, realizado dois anos antes do lançamento da Campanha da Fraternidade.

“Nosso objetivo é suscitar um debate sobre a questão da Segurança Pública e as causas da violência, sobre a cultura do medo, que reina em muitos lugares, e promover uma cultura da paz, em todos os âmbitos”, afirma dom Dimas ao esclarecer os objetivos da Campanha da Fraternidade de 2009.

Com o tema “Fraternidade e Segurança Pública”, a campanha será aberta no próximo dia 25, Quarta-feira de Cinzas, durante a missa das 9h, no Basílica Nacional de Senhora Aparecida, em Aparecida (SP). A missa será presidida pelo arcebispo de Aparecida, dom Raymundo Damasceno Assis, e concelebrada por dom Dimas. Após a missa, os bispos darão uma entrevista coletiva.

Segundo dom Dimas, é crescente a onda de violência no país e isso tem gerado medo na população. “A indústria do medo é um subproduto do sentimento de insegurança que as pessoas têm”, lembra o bispo. Entre as ações sugeridas pelo secretário-geral está a organização das chamadas Conferências Livres de Segurança Pública.

Abaixo, a íntegra da entrevista.


1. Dom Dimas, que motivos levaram a CNBB a escolher Segurança Pública como tema da Campanha da Fraternidade (CF) deste ano?

Dom Dimas – O tema da CF é sempre escolhido após uma mobilização das bases que coletam assinaturas nos Regionais1  e as enviam à CNBB defendendo temas que uma pastoral, movimento ou regional considera importante.  Para 2009 havia mais de 20 propostas diferentes, entre as quais Segurança Pública, liderada pela Pastoral da Criança e pela Pastoral Carcerária. A Pastoral da Juventude e as pastorais sociais também propunham temas específicos, mas depois decidiram pelo tema da Segurança Pública, facilitando a votação. Esta votação é feita numa reunião especial do Conselho Episcopal Pastoral (Consep), da qual participam não só os bispos do Conselho e os assessores [da CNBB], mas também os delegados dos Regionais para a Campanha da Fraternidade.

2. Quais são os objetivos da CF 2009?

Dom Dimas – A CF tem como objetivo mais profundo levar à vivência da Quaresma, tempo forte de conversão, em que por meio da oração, do jejum, da caridade, da escuta da Palavra, da vida comunitária, nos preparamos para viver de maneira mais concreta a própria Páscoa. A Campanha deste ano mostra a preocupação da Igreja com o problema da violência e da insegurança que assola a sociedade de maneira geral, nos grandes centros, no interior e no campo.  Nosso objetivo é suscitar um debate sobre a questão da Segurança Pública, [conhecer] as causas da violência e a cultura do medo que reina em muitos lugares. Queremos promover uma cultura da paz em todos os âmbitos.

3. Em 1983, a Campanha da Fraternidade abordou o tema Fraternidade e Violência; em 2005, a promoção de uma cultura de paz. O que leva a Igreja a retomar tais temas em 2009?

Dom Dimas – De fato, o texto-base da CF deste ano retoma temas que já foram abordados em campanhas anteriores como “Fraternidade e os encarcerados”; “Fraternidade sim, violência não”; a problemática dos menores e do desemprego. Todos esses temas são recolhidos e atualizados [no texto da Campanha deste ano]. Existem certos temas [que acabam voltando] como, por exemplo, o problema ecológico discutido em 1979 com a campanha “Preserve o que é de todos”. Essa temática é retomada nas campanhas sobre a água (2004) e a Amazônia (2007). Já tivemos também uma CF sobre as drogas, que é uma das causas da violência.  Todos esses problemas são complexos e interdisciplinares, por isso é muito importante que sejam retomados. Os jovens, por exemplo, queriam de novo uma CF sobre a juventude, já que a Assembléia dos Bispos, há dois anos, aprovou um documento sobre a Evangelização da Juventude. No entanto, quando eles perceberam que a Pastoral Carcerária e a Pastoral da Criança estavam se mobilizando em torno do tema da Segurança Pública, eles mesmos abriram mão da sua proposta, porque têm consciência  de que as principais vítimas da violência são os jovens.

4. Dom Dimas, o texto-base da CF 2009 fala em conflito e violência. Qual a diferença entre esses dois atos? Como lidar com cada tipo de situação?

Dom Dimas – Pode haver um conflito de idéias ou de decisões, por exemplo, no momento de uma assembleia escolher a prioridade da diocese ou da paróquia. Os conflitos podem surgir, inclusive, dentro da própria casa.  A questão é a maneira como se vai resolver o conflito, se através do diálogo, buscando uma síntese, ou da força, da violência, de modo que as opiniões de uma pessoa prevaleçam diante da realidade do outro. Se por conflitos entendemos divergências, é evidente que ao se trabalhar juntos, eles vão surgir. O conflito não precisa necessariamente levar à violência. Queremos trabalhar o conflito através do diálogo. Para mediar os conflitos mais sérios, podemos criar, no nível de Igreja, um ministério e, no nível dos poderes públicos, uma atividade institucional. Atualmente o principal mediador de conflitos é o juiz, o sistema judiciário que, diante de um conflito de interesses, verifica, à luz da legislação, quem é que tem razão. Existem propostas de leis para se ampliar essa mediação de conflitos de modo que não apenas advogados, mas também psicólogos, teólogos, possam atuar como mediadores de conflitos, por exemplo, entre casais.

5. E a violência?

Dom Dimas – Se a violência existe, ela precisa ser denunciada. A sociedade tem o direito de defender, sobretudo, aqueles que são mais vulneráveis. Sabemos que existe a violência doméstica gravíssima, sobretudo, contra a mulher e a criança. Existe a violência dos grupos do crime organizado; há a violência tanto praticada quanto sofrida por policiais; existe o racismo, violência simbólica.  Isso sem contar os abusos explícitos no que diz respeito aos direitos humanos: tortura nas prisões, trabalho escravo. Há casos em que é possível fazer com que essas violências cessem através de uma mediação, de um trabalho de reconciliação e de perdão. Há excelentes trabalhos como o da Pastoral Familiar, Pastoral Carcerária, Pastoral do Menor, que ajudam pessoas que, muitas vezes, estão vivenciando uma verdadeira desestruturação psicológica e familiar. Existem outros casos, no entanto, em que é preciso a denúncia profética para que a força da autoridade pública se faça valer. Aí o judiciário e a polícia têm mais eficiência. Não somos contra uma ação da polícia, mas ela não precisa ser feita de modo a combater a violência com mais violência. Quando a violência existe, a postura tem de ser de defesa, sobretudo, dos inocentes e mais vulneráveis.

6. Como lidar com a indústria do medo?

Dom Dimas – Há uma verdadeira indústria que vai se desenvolvendo, dos alarmes, dos seguranças particulares, dos carros blindados e até mesmo de certos programas de rádio e televisão, que só fazem aumentar o medo. Numa cidade do interior que visitei, foram instaladas mais de mil cercas elétricas nas casas. A indústria do medo é um subproduto do sentimento de insegurança que as pessoas têm. O que a gente tem de combater é a violência e a insegurança. À medida que elas são combatidas, essa indústria do medo perde sua eficácia.

7. Como a Igreja vai agir junto às comunidades para trabalhar um tema tão complexo como Segurança Pública?

Dom Dimas – Acima de tudo a Campanha da Fraternidade quer suscitar o debate para que cada comunidade levante as situações de mais insegurança e violência presentes nela, questione sobre suas causas e procure se organizar para combatê-las pela raiz. Nesse sentido, a paz que queremos construir como fruto da justiça há de ser resultado de um mutirão, com a sociedade organizada atuando em parceria com as organizações da Igreja e o Poder Público para buscar soluções.
O texto-base da CF, no entanto, apresenta, como sugestões, várias pistas de ação. Algumas, evidentemente, valem para todos, como procurar conhecer a Defensoria Pública e fazer parcerias com ela para que, por exemplo, os pobres tenham um advogado que os defenda em casos de necessidade. As comunidades podem participar das conferências municipais, estaduais e nacional de Segurança Pública, organizadas pelo Ministério da Justiça que permite, ainda, a realização das chamadas Conferências Livres. Elas podem ser organizadas por qualquer comunidade, associação de moradores, condomínios. As conclusões destas Conferências Livres podem ser enviadas diretamente para o Ministério da Justiça, sem a necessidade de passar pela Secretaria Estadual e Municipal de Segurança Pública.

8. Como despertar nas comunidades a responsabilidade pela Segurança Pública e pela promoção da cultura de paz?

Dom Dimas – Através da própria dinâmica da CF, que apresenta diversos subsídios. O texto-base é apenas o texto fundamental, a partir do qual foram elaborados ourtos como celebrações penitenciais, via-sacra, círculos bíblicos, encontros para as famílias, para a juventude, para as escolas. Além disso, o tema da CF é apresentado no Congresso Nacional e o texto-base enviado aos deputados, ministros e outras autoridades. O tema é discutido também nas escolas e universidades. A CF atinge desde as populações ribeirinhas, no Amazonas, até os condomínios das nossas grandes cidades. Nenhum outro instrumento da Igreja Católica no Brasil tem uma capilaridade como essa.

9. A Campanha da Fraternidade tem um gesto concreto que é a Coleta da Solidariedade. Qual sua finalidade?

Dom Dimas – O gesto concreto é uma atividade peculiar, enquanto se trata de uma doação em dinheiro feita na coleta do domingo de Ramos. Com isso é constituído o Fundo Nacional de Solidariedade que financia projetos das mais diversas comunidades. Centenas de projetos, pequenos, médios e grandes, são financiados a partir desta colaboração. Essa é outra forma de colaborar com a Campanha da Fraternidade.

1. São 17 os Regionais da CNBB (Norte 1 e 2; Nordeste 1, 2, 3, 4, 5; Noroeste; Oeste 1 e 2; Centro Oeste; Leste 1 e 2; Sul 1, 2, 3, 4). Alguns Regionais são formados por dioceses de estados vizinhos, outros por dioceses de um único estado.

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