Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Queridos irmãos e irmãs, é com muita alegria que estamos celebrando o segundo domingo do Tempo Comum. Esta liturgia constitui a primeira celebração dominical do novo tempo litúrgico que estamos iniciando: o Tempo Comum. Neste ano, iremos refletir sobre o Evangelho segundo Lucas. Ocasionalmente, a liturgia nos traz alguns textos do Evangelho segundo João, como acontece neste domingo.
Na primeira leitura – Is 62,1-5 – o profeta Isaias anuncia para o povo exilado um tempo novo de paz e de amor entre Deus e seu povo escolhido. Teremos tempos novos e de salvação. O profeta retoma o tema do amor conjugal, descrevendo Jerusalém – que simboliza o povo escolhido – como a esposa do Senhor Deus. O amor inquebrantável de Deus para com seu povo é o grande sinal de esperança. É sobre esse amor eterno que as relações devem ser reconstruídas.
Na segunda leitura – 1Cor 12,4-11 – a Igreja de Jerusalém será enriquecida de dons e carismas, graças e serviços que, embora muitos e variados, não causarão conflitos, pois, todos eles terão a mesma origem: serão obra do Espírito Santo. A primeira carta de Paulo aos Coríntios destaca a importância da diversidade dos carismas, em uma longa seção de dois capítulos. Esse tema é considerado extremamente importante para essa comunidade. Carismas, aqui, têm o sentido também de graça divina, dom do Espírito Santo. São Paulo vai advertir que os dons devem ser colocados a favor de toda a comunidade e não se fechar com o seu para o seu bem próprio ou ainda para se vangloriar. Para ele, todos os carismas têm sua importância. Não existe graus de carisma.
O Evangelho – Jo 2,1-11 – constatamos que no Evangelho de João é repleto de simbolismos: Há simbolismos que se esgotaram, não tem mais sentido e simbolismos reciclados, novos e cheios de sentido e realismo. Há novidades do Reino de Deus, trazidas por Jesus, o Salvador. O casamento, quando verdadeiro, é uma grande e significativa festa popular. E Jesus foi convidado para um casamento que falhou pela falta de vinho! E Jesus é a solução para os fracassos da humanidade e foi a solução para o casamento realizado em Caná na Galileia.
Acontece em todo casamento aquilo que aconteceu nas Bodas de Caná; começa no entusiasmo e na alegria; o vinho é o símbolo, precisamente, desta alegria e do amor recíproco que lhe é a causa. Mas este amor e esta alegria – como o vinho de Caná – com o passar dos dias e dos anos, consome-se e começa a faltar; todo sentimento humano, exatamente porque humano, é recessivo, tende a consumir-se e a se exaurir; então desaba sobre a família uma nuvem de tristeza e desgosto; aos convidados para as bodas que são os filhos, não se tem mais nada a oferecer, a não ser o próprio cansaço, a própria frieza recíproca e muitas vezes a própria amarga desilusão. Falhas cheias de água. O fogo para o qual tinham vindo para se aquecer vai se apagando e todos procuram outros fogos fora dos muros da casa para aquecer o coração com um pouco de afeto.
Merecem ser destacadas as palavras de Maria: “Eles não têm mais vinho”; “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2, 3.5). Em ocasião de festas, era costume que as mulheres amigas da família se encarregassem de preparar tudo. Começou a festa e, por falta de previsão ou por uma afluência inesperada de convidados, começou a faltar vinho. A Virgem Maria, que presta a sua ajuda, percebe o que passa. Mas Jesus, seu Filho e seu Deus, está ali; acaba de iniciar-se o seu ministério público. E ela sabe melhor que ninguém que o seu Filho é o Messias. E dá-se então um diálogo cheio de ternura e simplicidade entre a Mãe e o Filho, que o Evangelho nos relata: “A Mãe de Jesus disse-lhe: Não têm vinho”. Pede sem pedir, expondo uma necessidade. E desse modo nos ensina a pedir.
Maria é uma Mãe atentíssima a todas as nossas necessidades, de uma solicitude que mãe alguma sobre a terra jamais teve ou terá. O milagre acontecerá porque Ela intercedeu; só por isso. Maria é a Onipotência suplicante, assim chamou a piedade cristã, porque o seu Filho é Deus e não lhe pode negar nada. Maria está sempre atenta às nossas necessidades espirituais e materiais; deseja até, mais do que nós próprios, que não cessemos de implorar a sua intervenção diante de Deus em nosso favor. E nós somos tão remissos em pedir-lhe! Tão desconfiados e tão pouco pacientes quando o que lhe pedimos parece que tarda em chegar!
“Em Caná, ninguém pede à Santíssima Virgem que interceda junto de seu Filho pelos consternados esposos. Mas o coração de Maria, que não pode deixar de ser compadecer dos infelizes, impele-a a assumir, por iniciativa própria, o ofício de intercessora e a pedir ao Filho o milagre. Se a Senhora procedeu assim sem que lhe tivessem dito nada, que teria feito se lhe tivessem pedido que interviesse?” (Santo Afonso Maria de Ligório).
O Evangelho deste segundo domingo do tempo comum, narra uma festa de casamento e não informa nada sobre o nome dos noivos. É de caso pensado! O Evangelista tomou um fato histórico e deu-lhe um sentido espiritual e teológico: o verdadeiro noivo é o Cristo, Deus em pessoa que vêm desposar sua esposa, o povo de Israel e, mais precisamente, o novo Israel, a Igreja, representada pela Mulher – a Virgem Maria! Tudo, na perícope do Evangelho, fala disso: porque o Messias-Esposo chegou, a água da Antiga Aliança (água da purificação segundo os ritos judaicos da Lei de Moisés) é transformada no vinho da Nova Aliança (o vinho, símbolo da alegria e da exultação do Espírito Santo, que é fruto da morte e ressurreição do Senhor). É esta a glória que Jesus manifestou, é este o sinal! “Sinal” não é um simples milagre; “sinal” é um gesto do Senhor Jesus, carregado de sentido profundo, que revela sua pessoa, sua missão e sua obra de salvação.