Dom Luiz Antonio Lopes Ricci
Bispo Auxiliar de Niterói
Ao cair da tarde, Jesus pôs-se à mesa com os doze discípulos. Enquanto comiam, Jesus disse: ‘Em verdade eu vos digo, um de vós vai me trair. ‘Eles ficaram muito tristes e, um por um, começaram a lhe perguntar: ‘Senhor, será que sou eu?’ (Mt 26, 20-22).
Esta pergunta dos Apóstolos simboliza o comportamento comum de temor diante da possibilidade de trair ou negar Jesus. É uma interrogação que todos carregam dentro de si e se constitui um severo lembrete para estarmos atentos e vigilantes. Esta indagação, que aparece sempre no Evangelho da Quarta-feira Santa é, a nosso ver, um retrato real e de perfeita resolução, da condição humana e cristã. Como é difícil se sentir um dos doze com a mesma dúvida: “um por um começou a perguntar: Senhor será que sou eu?” Vejam, queridos irmãos e irmãs, eles não dizem “será ele? ”, mas “será que sou eu? ”. Quanta autenticidade diante do Mestre Jesus. Hoje nossa tendência é sempre apontar para os outros, pensar que o outro é pior do que nós, como o fariseu presunçoso e autossuficiente rezando no templo: “eu te agradeço, porque não sou como os outros” (Lc 18,11). É tempo de conversão, de voltar o olhar para nós e fazer a mesma pergunta: serei eu? A pergunta vem imediatamente após o anúncio da traição e a tristeza pela perda do Mestre, mas também pela insegurança de cada um. Quantas vezes gostaríamos de ser melhores e, diante de uma fragilidade ou fracasso, nos sentimos tristes por não ter conseguido agir conforme o querer de Deus. “Os discípulos acreditavam mais nas palavras do Senhor que nas suas consciências. Todos os discípulos sabiam, pelo que tinham ouvido de Jesus, que a natureza humana é inclinada ao mal, e por essa causa cada um temia e perguntava. Fato pelo qual devemos sempre temer todas as coisas futuras, nós que somos fracos. Os discípulos temiam por si mesmos…” (Orígenes).
Jesus fez a Última Ceia com os doze Apóstolos “porque Judas ainda estava com eles mesmo quando, na realidade, já se tinha separado” (Remígio de Auxerre). Precisamos estar atentos para que nada nos separe do caminho indicado por Jesus e dos ensinamentos mais importantes: “justiça, misericórdia e fidelidade” (Mt 23,23). Não podemos dizer que somos cristãos quando nós mesmos nos separamos Dele, por meio do ódio, intolerância, desamor, injustiças, mentiras e guerras virtuais. Para estar junto Dele e à mesa com Ele, não basta se dizer cristão. É preciso “ser”, estar revestido do amor e da acolhida sincera da difícil e comprometedora proposta cristã, tendo os “mesmos sentimentos de Cristo” (Fl 2,5), tanto nas situações de paz e de alegria, quanto nas de tensões, conflitos e pandemia.
“Ó, admirável paciência do Senhor! Primeiro tinha dito, ‘um de vós me há de entregar’, e o traidor persevera no mal” (S. Jerônimo). Judas traiu Jesus e Pedro o negou três vezes: “antes do galo cantar, três vezes me negará” (Mt 26,75). Pedro se lembrou do que Jesus lhe disse após a terceira negação e, por isso, “chorou amargamente”. Apenas o Apóstolo João permaneceu com Jesus até o “fim”, estando com Maria e outras poucas mulheres ao pé da Cruz. Traição, negação, abandono… eis a triste realidade humana. Porém, após a Ressurreição e envio do Espírito Santo, tudo mudou! A fortaleza, coragem, fé e misericórdia divina substituíram o medo e a negação. Reiniciar é preciso… O melhor caminho para uma autêntica e duradoura conversão é reconhecer os limites, as dúvidas, os medos e pedir a Cristo a Graça do alto para mudar o que precisa e pode ser melhorado em cada um de nós. Estamos convencidos que um mundo melhor passa prioritariamente pela mudança pessoal. Para tanto, precisamos de humildade e sinceridade conosco mesmos: “será que sou eu?” Indo e vindo, trevas e luz, tudo é Graça, Deus nos conduz! Peçamos a Jesus Misericordioso a Graça de perguntar: será que sou eu que devo, em primeiro lugar, mudar para anunciar o seu Reino de amor, justiça e paz? “Ser a mudança que queremos ver no mundo” (M. Gandhi) e nos outros. E de responder: “Eis-me aqui” (Is 6,8). Vamos “descer” até a casa do oleiro… permitir que o Senhor nos recrie e que faça de nós um vaso novo… Para tanto, é necessário descer… por isso o imperativo bíblico: “levanta-te, desce até a casa do oleiro” (Jr 18,2) Eis um nobre e urgente propósito pascal. Humildade! Senhor, tende piedade de nós, pecadores!
“Portanto, quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair. Não tendes sido provados além do que é humanamente suportável. Deus é fiel e não permitirá que sejais provados acima de vossas forças. Pelo contrário, junto com a provação, Ele providenciará o bem êxito, para que possais suportá-la” (1 Cor 10, 12-13). Enfrente com serenidade e coragem! Em frente com fé e esperança!
Votos de frutuoso Tríduo Pascal!