Dom Edson Tasquetto Damian
Bispo de São Gabriel da Cachoeira – AM
No dia 19 de agosto, o distrito de Pari Cachoeira, município de São Gabriel da Cachoeira, noroeste do Amazonas, bem na fronteira com a Colômbia, celebrou um evento inédito, emocionante, inesquecível: Sérgio de Jesus Alves de Azevedo, índio Tukano (uma das vinte e três etnias do Rio Negro), foi ordenado presbítero. Filho de José e Anita, membro de uma família de seis irmãos, residem na aldeia de São José, uma das quarenta e oito comunidades da paróquia de Dom Bosco de Pari Cachoeira.
A escola de ensino fundamental e médio do Distrito, que reúne mais de duzentos e cinquenta alunos das aldeias vizinhas, suspendeu as atividades durante uma semana para ajudar as famílias a preparar esta festa. Foi montado um palco artisticamente ornamentado com peças do artesanato local. As famílias da sede organizaram-se para acolher e hospedar os numerosos “parentes” (para os índios, o índio de qualquer etnia é um parente!) que começaram a chegar quatro dias antes para participar do tríduo preparatório. Depois das orações havia apresentações culturais com encenações, cantos e danças.
No dia 16/08, às 05:30 da manhã, a bordo do barco “Pérola Negra”, vinte navegantes: padres, irmãs, cristãos leigos e leigas e o bispo, partimos da cidade de São Gabriel da Cachoeira. Navegamos pelos rios Negro, Uaupés e Tiquié durante 53 horas. Extasiados contemplamos a beleza das cachoeiras, a variedade das árvores com o verde de todos os matizes, as aves que fugiam amedrontadas pelo barulho do motor. Ao entardecer, celebrávamos agradecidos a Santa Eucaristia. E dormíamos acalentados por mãe negra, a noite, pontilhada de estrelas e iluminada pelos tênues raios da lua minguante.
A Celebração da Ordenação iniciou, às 09 horas, com o rito de purificação do ambiente realizado pelo Pajé com seu tradicional bastão e o perfumado “incenso” nativo. A procissão de entrada foi precedida pela dança de acolhida “cariçu” realizada por um grupo de casais com vistosos enfeites e pinturas corporais. Eles voltaram depois para a dança do “dabucuri” : os homens tocando flautas e as mulheres carregando as ofertas para a Eucaristia. Um grupo de jovens dançou acompanhando a entronização da Bíblia carregada por uma indiazinha dentro de uma canoa transportada nos ombros de dois robustos jovens.
Comoveram a todos os testemunhos das pessoas que acompanharam a formação do Sérgio. O Pe Ivo Trevisol, o pároco que apoiou e encaminhou o jovem quando manifestou o desejo de ser padre. O Pe Jorge Gonçalves que o acolheu no Seminário em São Gabriel em 2001 e o seguiu de perto durante dez anos. A Professora Ana Cleide que o conheceu como colega de estudos e colaborou com ele no mistério diaconal. Destacaram a simplicidade, a cordialidade, a alegria, a prontidão para servir, a confiança com que se entrega nas mãos de Deus e a generosidade com que abraça o ministério. Alegrou-nos a presença do Pe Manoel Ferreira dos Santos, MSC, provincial do Missionários do Sagrado Coração, que veio visitar os quatro padres que trabalham em nossa Diocese. Lamentamos a ausência do Pe Olindo Furlanetto, reitor do Seminário de Manaus que, por motivo de compromissos inadiáveis, não pode estar conosco.
Com a exceção de dois cantos da celebração, os demais foram todos cantados em Tukano. Inclusive a Ladainha de Todos os Santos. Depois da invocação dos Santos, entre os quais Nossa Senhora de Guadalupe e o índio S. Juan Diego, o povo entoava: “Uhsãre koteya” (rogai por nós) ou “Ayuseré oyá (intercedei por nós). Já que você ficou curioso, apresento-lhe também a versão do Sinal da Cruz com a melodia do “Amém Aleluia” que costumo cantar. “Paku ye wamé merâ! Maku ye wamé merâ! Bauhtigu ayu Yurugu ye wamé merã! Toho werã ekatirã, Ayurõ ekatirã, Ayurõ merã! Tudo a ver com o nosso português, não lhe parece!?
Os textos bíblicos, escolhidos pelo Sérgio, iluminam a missão de profeta, pastor e sacerdote que ele assume com o sacramento da Ordem: Jer 1, 1-10; Salmo 23; Heb 5, 1-6; Mt 18, 10-14. Do Evangelho de Mateus, ele tirou também o lema de sua vida e ministério: “Não desprezeis nenhum desses pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos céus veem, continuamente a face de meu Pai que está nos céu… A vontade do Pai é que não se perca nenhum destes pequeninos” (Mt 18,10 e 14).
Nas palavras que proferiu antes de dar a primeira bênção, afirmou que viverá o ministério como um pequenino pastor a serviço dos irmãos mais pequeninos. Lembrou que o despertar de sua vocação aconteceu quando a Ir Elizabeth, Filha de Maria Auxiliadora, convidou-o para ajudá-la a construir casas para os Hupda. “Um Tukano que sempre considerou os Hupda como seus empregados, como poderia agora colocar-se a serviço deles?”, foi o primeiro pensamento que lhe ocorreu. Mas a Irmã, a primeira incentivadora de sua vocação, mostrou-lhe que na ótica do Evangelho e do seguimento de Jesus, “os últimos devem ser os primeiros” a receber nosso amor e nosso serviço.
Anos depois, quando fez um retiro na linha da espiritualidade de Charles de Foucauld escutou estas palavras que o confirmaram nesta direção: “Jesus quando veio habitar no meio de nós escolheu de tal modo o último lugar que ninguém lhe poderá tirar”. Se o Mestre e Senhor buscou em tudo o último lugar, como pode seu discípulo desejar o primeiro? Um de seus atentos formadores afirmou que houve um Sérgio antes e outro depois deste retiro. Isto transparece na comprometedora e radical “Oração do Abandono” que ele colocou no convite de sua ordenação: “Pai a vos me abandono… Entrego a minha vida em vossas mãos… Estou pronto para tudo. Aceito tudo, contanto que a vossa Vontade se faça em mim e em todas as vossas criaturas”.
As famílias da sede preparam gostoso e abundante almoço que foi servido gratuitamente para todos. Verdadeira festa da partilha e da multiplicação. Às 14 horas iniciaram as apresentações de cantos com coreografias e belíssimas danças de jovens e adultos que se prolongaram até o entardecer.
O regresso a São Gabriel, navegando a favor da correnteza, durou trinta e nove horas. Eram 02 horas da madrugada quando vimos um bote à deriva o meio do rio Tiquié. Fomos nos aproximando devagar e vimos que era o prefeito municipal, em campanha pela reeleição, com mais sete pessoas que pediam socorro. Embarcaram em nossa “Pérola Negra” e contaram que o motor estragou e ficaram nove horas boiando na correnteza do rio. E foram salvos pela Igreja.
Creio que um dos momentos mais felizes da vida de um bispo é quando tem a graça de ordenar um presbítero. E a cada ano o Senhor tem me concedido esta graça. No dia 15/08/10 ordenei o Reginaldo Cordeiro, SDB, Arapaso, que me acompanhou na primeira visita que fiz ao Papa. No dia 18/12/11 ordenei o José Jacinto Sampaio Alves, SDB, Desano, que está trabalhando conosco em Santa Isabel do Rio Negro.
O Pe Sérgio de Jesus, Diocesano, permanecerá até o fim do ano em Pari Cachoeira trabalhando com o Pe Ivo Trevisol, Missionário do Sagrado Coração. Os “parentes” que o acompanharam como diácono, desejam agora vê-lo pregando o Evangelho e celebrando os Sacramentos na língua materna. Deste modo vai se concretizando o sonho da inculturação do Evangelho com a profunda inspiração: “A boa nova das culturas indígenas acolhe a Boa Nova de Jesus”.
O Pe Sérgio de Jesus, Diocesano, permanecerá até o fim do ano em Pari Cachoeira trabalhando com o Pe Ivo Trevisol, Missionário do Sagrado Coração. Os “parentes” que o acompanharam como diácono, desejam agora vê-lo pregando o Evangelho e celebrando os Sacramentos na língua materna. Deste modo vai se concretizando o sonho da inculturação do Evangelho com a profunda inspiração: “A boa nova das culturas indígenas acolhe a Boa Nova de Jesus”.
Rezemos para que este irmãozinho nunca perca o chão e o coração indígenas e Jesus arme verdadeiramente seu tapiri e sua rede no meio dos irmãos e das irmãs do Rio Negro.