Sexta-feira Santa: da morte para a Vida

Dom Jaime Vieira Rocha
Arcebispo de Natal

Prezados leitores/as!

“E Jesus deu um forte grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’” (Lc 23,46).

Hoje, Sexta-feira Santa, a Igreja contempla a Cruz e a morte de Jesus Cristo. Um dia especial e único na vida da Igreja, no Ano Litúrgico. Nesse dia, a Igreja não celebra a Eucaristia. Hoje, como no Domingo de Ramos, a Liturgia da Palavra nos apresenta o relato da Paixão e Crucifixão de Cristo. São os únicos dias em que isso acontece. Celebramos o acontecimento que toca a Jesus, o Filho do carpinteiro, Filho da Virgem de Nazaré, acontecimento que o acomuna aos seres humanos, o “mal irremediável”, do qual ninguém escapa. Também o Filho de Deus feito Homem experimenta o significado do “ser-para-a-morte”, tão filosoficamente exposto por Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão. A morte está inscrita na condição humana. Nascemos e vamos morrer. É uma lei que não podemos desfazer. Mas, há um significado que transcende o nosso poder de compreensão, quando, quem experimenta isso é o Verbo encarnado.

Ao meditar e contemplar e celebrar este dia santo, a Igreja nos convida a ouvir e assumir o significado das últimas palavras de Cristo na Cruz, palavras densas e que resumem o seu Evangelho: 1. “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34) – na Cruz, Jesus proclama o que o Reino dos Céus traze para todos os homens e mulheres: o perdão, a reconciliação, a justificação. É um perdão que renova, uma justificação e não um ato de justiceiro. Empenha, certamente. Mas, é antecipação, dom gratuito e por isso mesmo, eficaz, verdadeiro, belo, justo e bom; 2. “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,430 – é a “primeira canonização da história” (Papa Francisco), manifestação e explanação do caminho reconciliador de Deus: a Misericórdia encontra a miséria humana, mas com a abertura do coração humano, quase ensinando que algo de bom e agradável a Deus permanece no pecador. Só é possível encontrar perdão porque o Doador está sempre pronto a perdoar; 3. “Mulher, aí está o teu filho. Filho, aí está a tua mãe” (Jo 19,26) – ao lado dos muitos dons que o Filho de Deus feito homem deixou para nós – o primeiro, o maior, o seu próprio Espírito, o Espírito Santo, a paz, o Evangelho – está a sua Mãe. Aquela que viveu para o seu Filho é agora o modelo de entrega, de aceitação e de discipulado. Acolhendo Maria, como fez o discípulo amado, somos envolvidos no regaço amoroso da Mãe do Galileu; 4. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,36) – este não é o grito do desesperado, mas do Servo sofredor que confia que Deus é o seu Auxiliador, que o sustenta e o fortalece. Tudo parece perdido, até mesmo o silêncio divino parece arrastar para um fim, mas no fim está o começo; 5. “Tenho sede” (Jo 19,28) – trata-se de dois aspectos: sede pela caminhada pelas ruas da Cidade Santa, Jerusalém, mas também sede de salvar, de renovar os corações, de impulsionar para o bem, para a justiça e a fraternidade. “Tive sede e me destes de beber”, afirmou Jesus em Mt 25; podemos, hoje, dar-lhe de beber? Ao contemplar a sua agonia, ainda hoje, ofereçamos a água do nosso coração convertido, da nossa aposta no caminho da virtude, da solidariedade e da partilha; 6. “Tudo está consumado” (Jo 19,30) – Ele completa a obra, leva a termo a sua missão. Ao afirmar isso, Jesus mostra que o caminho da salvação e da vida está pronto a ser percorrido e experimentado pelos seus seguidores. É um caminho pleno, que sacia e preenche o vazio. Que não deixemos esse caminho sem as nossas pegadas; 7. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46) – eis como devemos encarar a morte: ela é uma entrega, não no vazio do nada, ou na angustia sem fim do desespero, mas entrega a uma Pessoa que cuida, que vivifica, que ressuscita e leva à verdadeira vida. Lembremos dos santos que viveram com Jesus esse momento: Santa Teresinha do Menino Jesus (“não morro, entro na vida”), Santa Elisabete da Trindade (“vou para a luz, vou para o amor, vou para a vida”). Jesus entrega o seu Espírito ao Pai, para que, depois de Ressuscitado, ele nos dê o seu mesmo Espírito, para continuarmos a sua vida na nossa vida.

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