Simpósio sobre a laicidade do Estado destaca religião como valor constitucional e princípios do Estado laico

Na noite de quarta-feira, 18 de setembro, foi realizado o segundo momento do Simpósio sobre a Laicidade do Estado e Liberdade Religiosa, na Casa Dom Luciano Mendes de Almeida. O evento celebrativo dos 15 anos do Acordo Brasil-Santa Sé abordou em seu segundo dia o tema da “Gênese do Estado Laico e as relações institucionais”. Os conferencistas foram o procurador-geral da República,  Paulo Gonet Branco, e o ministro Ives Gandra Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O assessor jurídico-civil da CNBB, advogado Hugo Sarubbi Cysneiros, mediou a conferência.

Os conferencistas buscaram aprofundar a reflexão apresentando as diversas interpretações sobre o conceito de Laicidade. Esse conceito não consiste tão somente na separação do Estado e da Igreja ou, por vezes, como uma justificativa para restringir a presença de religiosos e pessoas que professam alguma crença no âmbito da participação política. Nas apresentações, a intenção foi definir e distinguir as consequências práticas do conceito de laicidade atrelado à liberdade religiosa.

 

Religião é um valor de ordem constitucional

O procurador Paulo Gonet apontou para a tendência do que se observa numa espécie de fundamentalismo ateu, que consiste no uso do termo “Estado laico” para invalidar argumentos e posições sobre valores que estão associados ao sentimento religioso das pessoas na participação de debates públicos. Para ele, é um equívoco pensar a Laicidade como aversão religiosa.

A liberdade religiosa como direito fundamental, por sua vez, garante a participação e o espaço para que os cidadãos possam dar razão pública ao que acreditam. A temática do aborto foi citada com exemplo, cujas razões contrárias podem ser traduzidas em argumentos jurídicos. Gonet também citou o direito de objeção de consciência assegurado pela constituição, de modo que o Estado deve garantir a autonomia da expressão dos valores religiosos.

“A religião é um valor de ordem constitucional”, ressaltou o procurador. E o Estado laico significa assegurar o direito de ter uma religião, segui-la e de ser coerente com seus preceitos. Nesse sentido, “o Estado não pode impor uma religião, mas pode haver colaboração das igrejas com o poder público em vista do bem comum”, pontuou. Ao mesmo tempo, o Estado não pode proibir, prejudicar e intervir nas religiões.

Esse direito à Liberdade Religiosa deve ser entendido em duas dimensões: o direito de defesa e a exigência de promoção. Isso significa que, além de defender a liberdade religiosa, o Estado Laico é aquele que cria condições para que haja um ambiente favorável para os que querem aderir a uma religião.

Estado Laico significa também que o Estado não pode interferir na organização interna das igrejas, ou seja, não pode impor regras no âmbito particular do espaço de culto e nem mesmo pode arbitrar conflitos intrinsecamente relacionados à hierarquia de determinada religião.

Procurador-geral da República, Paulo Gonet | Foto: Paulo Augusto Cruz/CNBB

 

Laicidade e laicismo

Paulo Gonet também explicou sobre a necessária distinção entre “laicidade” e “laicismo”. A primeira indica que se deve reconhecer que o povo é religioso e tem direito a isso, e que o Estado deve respeitar todas as religiões. A segunda, segundo ele, é a antirreligiosidade, e supõe, implicitamente, a inimizade entre religiões e o Estado.

Há o perigo de, pensando o conceito, fazer importações anacrônicas de outros Estados, salientou o conferencista, recordando a formação da nação brasileira. “A origem do Brasil carrega uma tradição imbuída do espírito missionário. Não se pode prescindir da identidade religiosa do Brasil desde a origem. A identidade brasileira é baseada em méritos religiosos, como exemplo a cidade de São Paulo”, comentou.

Gonet falou ainda sobre os símbolos religiosos, os quais não podem, segundo ele, ser ofensivos aos ateus, e que a oposição religiosa não gera o direito subjetivo de suspender a prática religiosa de outro. Ele recordou a ideia de identidade nacional enraizada nos valores religiosos e que “quando um país deixa de cultuar as suas imagens/identidades religiosas, ele perde a própria identidade”.

 

Princípios presentes na ideia de Estado Laico

Em sua fala, o ministro Ives Gandra Filho abordou os fundamentos filosóficos que sustentam uma correta assimilação do conceito de Laicidade, a partir da imagem do homem como “o único animal que reza”. Isso o distingue dos outros animais, sendo a característica que mais identifica o ser humano: sua transcendência e sua vida religiosa.

Voltando a reflexão sobre o Acordo Diplomático entre o Estado brasileiro e a Santa Sé, o ministro conduziu o discurso ressaltando o que o acordo representou e seus méritos. Ele recordou a vontade dos dois chefes de Estado – o Papa Bento XVI e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, – e a atuação do então núncio apostólico, dom Lorenzo Baldisseri, que deram “concretude ao acordo, apesar das resistências para que fosse ratificado”. Lembrou ainda o desafio à ratificação do acordo diante da oposição ao artigo que trata do Ensino Religioso confessional, tema que foi objeto de votação apertada no Supremo Tribunal Federal.

Esse debate, segundo o ministro, chama atenção para a necessidade da participação da Igreja no debate público, sobretudo quando se trata de fé e moral. “A igreja Católica se posiciona à altura dos debates e usa de argumentos satisfatórios à linguagem dos não crentes”, destacou, pontuando ainda que os debates atuais são caracterizados “por uma notável falta de embasamento filosófico nas questões cruciais que deliberam sobre a lei” e argumentação deficitária de princípios da dignidade humana.

“O problema do Estado laicista é que ele quer se passar por Estado laico, quando apenas tolera as religiões, com inimizade velada”, alertou.

Ministro Ives Gandra Martins Filho | Foto: Paulo Augusto Cruz/CNBB

 

Gandra partilhou três princípios presentes na ideia de Estado Laico: separação entre igreja e Estado, liberdade religiosa e cooperação entre Igreja e Estado. Para ele, o Acordo Brasil Santa Sé permite uma regulamentação que salvaguarde ambas as partes nos seus papéis e na proteção dos direitos das pessoas nos espaços comuns em que interagem a Igreja e o Estado, inclusive outras religiões que igualmente se beneficiam dos termos do Acordo.

 

Por Luiz Lopes Jr. com Willian Andrade Ximenes
Fotos: Paulo Augusto Cruz/CNBB

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