Simpósio sobre a Laicidade do Estado e a Liberdade Religiosa faz memória histórica do Acordo Brasil-Santa Sé no primeiro dia

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio da Comissão Episcopal para o Acordo Brasil Santa-Sé, realiza de 17 a 19 de setembro, na Casa Dom Luciano, em Brasília (DF), um Simpósio sobre a Laicidade do Estado e a Liberdade Religiosa. A iniciativa celebra os 15 anos do Acordo Brasil Santa-Sé, documento que dá amparo aos direitos essenciais ao desenvolvimento da missão da Igreja Católica no Brasil.

A mesa de abertura do evento contou com as presenças do arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal Orani João Tempesta; cardeal Lorenzo Baldisseri, do Vaticano; o arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB, dom Jaime Spengler; o Núncio Apostólico no Brasil, dom Giambattista Diquattro, o arcebispo de Brasília, cardeal Paulo Cezar, o Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira e o Ministro do STF, José Francisco Rezek.

 

A temática deste primeiro dia de encontro se concentrou em fazer uma memória histórica do Acordo Brasil-Santa Sé. Na ocasião, o presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, citou a liberdade religiosa como um direito fundamental. Em consonância, o Núncio Apostólico no Brasil, dom Giambattista falou do Acordo como um sinal tangível do amor de Deus com o povo brasileiro e ressaltou a importância de garantir as aplicações práticas do que foi acordado.   

Mauro Vieira, Ministro das Relações Exteriores, apontou para as tendências contemporâneas ao radicalismo e ao extremismo de algumas religiões e ideologias. Disse,  ainda, que a Igreja Católica, entretanto, permanece com um trabalho consistente. Citou o papel das pastorais no sentido de dar acesso a serviços e oportunidades às parcelas mais vulneráveis da população, permitindo que os direitos sejam reforçados também nestas realidades mais distantes. Mencionou a Laudato Sie Laudate Deum,  do Papa Francisco, sobre a situação climática e a sintonia do Brasil com os valores cristãos de conservação do meio ambiente.

Na perspectiva histórica, o ministro recordou o papel de dom Hélder Câmara e dom Paulo Evaristo Arns na promoção dos Direitos Humanos e o protagonismo no ativismo político durante o regime militar. 

Já o  cardeal Baldisseri, membro das Congregações das Causas dos Santos; para os Bispos, para a Evangelização dos Povos; além de Conselheiro da Pontifícia Comissão para a América Latina, falou sobre sua trajetória e atuação como bispo em mais de 10 países, tendo sido Núncio apostólico do Brasil por 10 anos e que foi protagonista na articulação das negociações para o Acordo Brasil – Santa Sé.

O cardeal Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, sinalizou a relevância do Simpósio e apontou uma certa falta de familiaridade dos assessores jurídicos das dioceses com o Acordo Brasil – Santa Sé. Citou a Encíclica de Bento XVI Caritas in Veritate e chamou atenção para a necessidade do diálogo da igreja com o mundo em que vive. Ressaltou, ainda, o reconhecimento da importância histórica, cultural e social da igreja católica no Brasil e os diversos princípios que a igreja promove, como a defesa da Lei natural. 

Dom Paulo Cezar, arcebispo de Brasília, recordou que a laicidade é um valor que surge no Ocidente, e que  é um valor prezado por aqui.

“No entanto, existem países, sobretudo no Oriente, que não estão familiarizados com a laicidade, já que ou são Estados teocráticos, de uma única confissão, ou reprimem a liberdade religiosa sob a prevalência dos ideais nacionais, ou seja, um Estado ateu. “Laicidade é um bem da cultura ocidental”, disse.

Também afirmou que a liberdade religiosa é a consequência do Estado/sociedade que preza pela liberdade como valor. Também citou o “Estado laico não é Estado ateu”, ou seja, o Estado deve proteger as religiões.

As palestras

As palestras do primeiro dia ficaram sob a responsabilidade do cardeal Lorenzo Baldisseri, que foi um dos protagonistas no Acordo Brasil-Santa Sé. Ele fez uma introdução sobre a Santa-Sé e seus meios de atuação internacional.

Baseada no princípio da Libertas Eclesiae, que consiste na independência do poder eclesiástico em relação ao poder do Estado, a Diplomacia Papal tem como objetivo garantir o espaço para a atuação da igreja nos países. Os tratados são um modo de garantir esse espaço. A Santa-Sé mantém relações diplomáticas com 183 países.  

Nessa linha, o cardeal descreveu a dinâmica Igreja e Estado: entidades que interagem no mesmo espaço e desfrutam de recíproca autonomia. Uma oportunidade vantajosa para o bem-comum. Destacou o caráter das partes: autônomas, independentes e soberanas.

Acordo Brasil – Santa Sé e sua história

Desde o início da República, no governo de Deodoro da Fonseca, postulou-se o Decreto 119 de 1890 que proibiu a intervenção do governo federal na religião, estabeleceu a liberdade de cultos e extinguiu o padroado.

Desde 2001 já havia a intenção de se formular um acordo. Foi postergado e voltou para as negociações em 2006.  Finalmente em 13 de novembro de 2008 foi assinado o Acordo no Vaticano. Estavam presentes o Presidente Lula, o Ministro Celso Amorim, o Cardeal Hummes e o então Núncio apostólico no Brasil, cardeal Lorenzo Baldisseri. Em fevereiro de 2010, por meio do Decreto 7107 foi internalizado o Acordo, sob a descrição “Estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil”.

Foi o primeiro acordo-quadro com um país latino-americano, até então o único, já que em outros países da América Latina, existem somente acordos de assistência religiosa militar.  Nesse sentido, o cardeal Baldisseri salientou que o Acordo é uma referência internacional, ressaltando o Artigo 11 como um passo ecumênico importante.

Direito internacional público 

O Ministro do STF, José Francisco Rezek  fez um discurso com amplas referências ao direito internacional público. Rezek aponta que a assinatura do acordo foi tardia, visto que o Brasil nunca tinha celebrado uma concordata com a Santa-Sé, apesar de ser o maior país católico.

“Foi imprescindível que o governo Lula assumisse a consumação desse processo. Houve agitação de vários setores, havia resistência à ideia de laicidade por parte dos críticos, interpretações diversas especulavam a quem prejudicaria o Acordo. Ao tomar conhecimento dos termos do Acordo, nota-se, no entanto, que este prestigia todas as confissões religiosas, de um “modo admiravelmente ecumênico”, disse.   

Rezek explicou que houve objeção ao Artigo 11 pelo procurador-geral da república Rodrigo Janot, por declaração de inconstitucionalidade devido à imprecisão e ambiguidade do termo “ensino religioso” e sua aplicação prática. O ministro defendeu que “o Acordo guarda profunda harmonia com tudo que é principiológico na constituição” e que a necessidade da existência do Acordo se deve a importância de que exista entre o Brasil e a Santa Sé um vínculo capaz de resistir a momentos instáveis ou a qualquer legislador que pretenda criar barreiras com alguma denominação religiosa específica. Por fim, também indicou que o Acordo está em sintonia com as tradições brasileiras.  

 

Com informações de Willian Andrade Ximenes / Fotos: Paulo Augusto Cruz

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