Tentei imaginar as reações dos habitantes de Nazaré quando chegou por lá a notícia da morte de Jesus na cruz. Talvez a novidade tenha corrido junto com os boatos da sua ressurreição. Muitos devem ter lembrado o que havia acontecido, mais ou menos, três anos antes, quando Jesus, após ter suscitado tanta admiração no início da sua fala na sinagoga, tinha escapado depois, por um triz, de ser lançado num precipício. Os mais rancorosos devem ter dito: ”Eu sabia que não prestava”. Outros, movidos pela compaixão, podem ter pensado e dito que teria sido melhor mesmo segurá-lo em Nazaré. Alguns devem ter lembrado das suas palavras polêmicas na sinagoga e pensado que, falando daquele jeito, só podia dar no que deu. Enfim, outros poucos devem ter dado ouvido aos boatos sobre a sua ressurreição e lembrado as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca; o seu jeito diferente os gestos realizados em Cafarnaum e em tantos outros lugares. Esses talvez tenham exclamado, bem mais baixo do que os outros: “Ninguém nunca falou como este homem!”
Todas as especulações são minhas, evidentemente.
Com a rápida mutação de humor por parte dos habitantes de Nazaré a respeito de Jesus, o evangelista Lucas deve ter querido nos lembrar simplesmente o que o velho Simeão havia profetizado: “Ele será um sinal de contradição”. Após tantos anos, ainda hoje Jesus continua o mesmo: um divisor de opiniões, com ele ou contra ele. É difícil ficar em cima do muro com Jesus. Somente pessoas superficiais, ou por demais cheias de si, podem pensar que não vale mais a pena refletir sobre o que ele fez e ensinou. As suas palavras continuam a atrair ou a incomodar, a sua memória faz sentir as pessoas felizes, prontas para segui-lo ou insatisfeitas consigo mesmas, duvidando das suas seguranças. Não tem muito sentido repetir, como eterna desculpa das nossas atrapalhadas, o jargão que “também Jesus não agradou a todos”, porque é isso mesmo: ele não veio para que todos ficássemos satisfeitos com ele. Ao contrário, veio para questionar a todos. Somente quem não aceita nenhuma crítica, não admite defeitos, culpas ou pecados, pode se eximir de confrontar-se com o jeito de falar e de agir dele.
Com certeza Jesus não fez nada para agradar aos grandes e aos poderosos. Preferiu os pequenos, os pobres, os doentes, e quando deu atenção a algum chefe foi por causa da fé demonstrada, nunca para tirar proveito, ou para cativar a simpatia dele. Com os moradores de Nazaré, foi pior ainda. A eles que queriam segurá-lo para que fosse um curandeiro de aldeia a serviço deles ou, quem sabe, até para ganhar algum trocado, Jesus responde com os exemplos dos estrangeiros que foram beneficiados pelos profetas. Um insulto ao nacionalismo e ao amor próprio daquelas pessoas. Passaram da admiração ao ódio, da intenção de entretê-lo com eles à vontade de matá-lo: se não queria ser o profeta deles, que não o fosse de ninguém. No entanto Jesus não podia satisfazer as exigências daquele povo, porque tinha outra missão. E o alcance de sua missão era bem maior do que os limites da pequena e orgulhosa aldeia de Nazaré.
Assim a história de Jesus chegou até nós; entre trancos e barrancos, entre os avanços e os tropeços da vida humana, entre as contradições daqueles que ele deixou para transmitir a sua memória. Houve santos e santas, pessoas nas quais quase se podia ouvir e enxergar o Mestre. Houve falsos pregadores, aproveitadores, quem usasse o nome de Jesus para ganhar poder e prestigio. Mártires derramaram seu sangue por amor a ele. Houve também quem matou talvez pensando que o estava defendendo. Coisas do passado? Não sei.
Nos dias de hoje muitos falam e escrevem sobre Jesus. Já foi apresentado como o maior líder, o maior psicólogo, uma inteligência superior e agora como um Cristo cósmico, guia espiritual para quem quiser alcançar a iluminação. Parece tudo tão bonito e fascinante. Espero não sejam modernas tentativas de domesticar Jesus, para silenciá-lo e fazê-lo entrar nos nossos esquemas mentais, conforme as modas ou as carências da humanidade de cada época. Jesus continuará incomodando. Ninguém vai prendê-lo. Ainda vai passar pelo meio de todos e continuar o seu caminho. Que bom se ao encontrá-lo numa esquina da vida, ouvindo o seu convite, teremos a coragem de segui-lo e de conhecê-lo melhor. Com sinceridade e sem preconceitos.